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sábado, 19 de dezembro de 2015

PESADELO - CONTO DE TERROR

PESADELO

Pesadelo
            São duas da manhã. Não consigo dormir. Eu vejo TV, fico no computador, leio um pouco. Deito no sofá e deixo a TV ligada, esperando pegar no sono. Não consigo. Resolvo jogar xadrez sozinho. Tomo litros de café. Decido ficar acordado. Tomo café-da-manhã mais cedo. Começa o dia e vou trabalhar.
            Noite seguinte. Mesma rotina. Quanto mais eu tento dormir, mais acordado eu fico. Alimento minha insônia com minha ansiedade. Fico deitado no sofá. Adormeço.
            Um estranho bate à minha porta. Ele não fala nada. É um velho louco e o seu olhar me deixa aterrorizado. Ele começa a gargalhar...
            Pesadelos. Acordo às duas e meia da manhã. Estou todo encharcado de suor. Resolvo tomar um banho. Volto pra cama...
            Uma criança no balanço. Eu estou sentado no banco da praça. Eu olho bem para a criança e sou eu. Saio do ar... Estou num lugar escuro, apertado. É um caixão de madeira. Luto para sair. Luto, luto até que consigo. A terra estava fofa ainda. Estou vivo!
            Acordo do pesadelo e a primeira imagem que eu vejo é a figura de um homem, todo maltrapilho, os dentes amarelados, o cabelo grisalho, a barba por fazer e, então, eu lhe pergunto:
             _ Quem é você?
            _ Eu sou o coveiro. _ ele responde.
            _ E por que você está aqui?
            _ E onde você acha que aqui é?
            _ Como assim? É a minha casa!
            _ Olhe ao redor. _ ele falou.
            Quando eu olhei ao meu redor, percebi que estava num cemitério. Eu estava todo sujo de terra e lama. Minhas mãos estavam feridas e eu percebi que estava ofegante, quase sem ar. Eu pensei que tudo que eu gostaria, naquele momento, era limpar toda aquela sujeira. De repente, estou me afogando. Eu não sei onde estou. Não sei para onde ir. Eu tento subir, buscando ar, mas, por mais que eu nade, eu não consigo chegar à superfície. Eu estou me afogando...
            Acordei gritando. Eu estou numa casa que eu desconheço. Tem um homem sentado no sofá. Existe outro garoto que eu não conheço na sala. O homem se levanta, correndo atrás de mim.  Eu estou no corredor da minha casa, correndo desesperado. O homem está correndo atrás de mim como um louco. Ele quer me devorar, me comer, como um canibal. Ele é um homem por fora, mas por dentro ele é um monstro, uma besta, uma fera. Ele está no meu encalço. Eu não consigo mais. Eu chego até o portão, agarro a grade e ele está perto...
            _ Não! _ eu grito horrorizado e desperto do pesadelo.
            São seis da manhã. Eu levanto da cama e me sento no sofá. A televisão liga sozinha. Eu vejo na tela a imagem do velho louco e ele me diz:
            _ Agora você morre!
            Eu começo a vomitar. Eu vomito sem parar. Quando eu já não agüentava mais, comecei a vomitar sangue. Depois de ficar quase sem forças, eu desmaiei.
            Eu estou num campo aberto, numa manhã cinzenta, sentado em frente a um tabuleiro de xadrez e na minha frente está o homem que eu não conheço, mas que é parecido comigo. Então, eu lhe pergunto:
            _ Quem é você?
            E ele me responde:
            _ Eu sou a Morte.
            _ A Morte? _ eu digo _ Mas tal coisa não é possível. Isso não existe! A Morte não tem a forma de uma pessoa, a forma humana, nem qualquer outra forma, não é uma entidade ou coisa do tipo.
            _ Então, eu sou só a sua morte. _ o homem respondeu. E depois finalizou: _ Xeque-mate!
            Eu estou sozinho em casa, de madrugada, e começo a ver coisas. Começo a ouvir coisas. Coisas que não existem. Há bichos asquerosos em toda parte. Estou no ônibus e vejo um papel caindo no chão. E vejo luz. No meio da noite, resolvo escrever um poema. A escrita foge ao meu controle. Não posso controlar...
            Eu estou deitado na cama. Tem uma mulher em pé, olhando pra mim. Eu fico todo arrepiado e congelo de medo. Ela só fica olhando, parada. E eu fico aterrorizado, paralisado, com medo de olhar para ela, com medo de olhar na direção dela. Medo.
            Sonhos. Que verdades eles revelam? Estou sonhando outra vez. Eu acordo e vou até a cozinha. Eu sinto que tem alguém lá fora. Eu vou até a copa e resolvo abrir a portinhola da porta da frente. Então, eu vejo o rosto de um homem. Ele queria assaltar a minha casa. Ele estava rondando a área. Outra noite eu havia sentido essa presença. Eu olhava pela janela o quintal. Investigava se havia alguém do lado de fora. Mas não encontrei ninguém.
            Eu acordo. Vou até a cozinha beber água. É a mesma cena. Eu vou até a copa. Resolvo, desta vez, acender todas as luzes antes, principalmente as do lado de fora para assustar o ladrão. Eu pego a faca para me defender. Eu ando devagar pela copa, hesito por um instante, abro a portinhola e não há ninguém lá. Mas havia, eu sei que havia. Algo me diz que eu não terei a mesma sorte da próxima vez.
            Eu estou caindo. Eu estou caindo. Eu não consigo me lembrar do sonho, mas eu estava caindo. Eu me agarro à cama e ela está virando. Eu seguro bem forte na cama para não cair. Eu acordo. De repente, acordo de novo. E de novo. E de novo. E de novo. E novamente. Eu estou na cama, coberto, e me levanto rápido, fico sentado na cama e desperto. E, então, estou novamente dormindo e acordando. Eu estou preso num sonho que não acaba. Um pesadelo que nunca termina. Eu sonho que estou sonhando. O sonho de um sonho.
            _ O que é a realidade? O que é real? _ eu me pergunto.
            _ Real é aquilo que você pode tocar, aquilo que você vê e sente. _ diz o meu amigo Anderson.
            _ O que é real? Para uma coisa ser real é preciso que ela seja real para outra pessoa além de você. Se não for assim, quer dizer que você é esquizofrênico. _ disse o meu amigo Júlio.
            O problema é que eles não estavam ali. Não podiam. Estavam mortos. Melhor dizendo: eu não sei se eles estavam realmente ali.
            Eu me sinto cansado. Eu estou com sono e cansado. Eu começo a ter uma convulsão. Eu começo a me contorcer e a babar. Os meus músculos estão enrijecidos e tremendo. Eu tive espasmos durante todo o mês. Eu sinto quase como se fosse um choque. Há anos atrás, quando eu ainda era pequeno, numa manhã em que estava com febre, eu senti algo como se fosse um choque. Eu fechei os olhos e vi uma luz azul, um flash. Estou de volta ao presente. Estou de volta à vida. Eu acordo sem saber onde estou e sem noção do tempo. Parecia que eu tinha acabado de acordar. E era verdade, pois despertei para a vida.
            Pesadelos. Uma infância repleta deles. Uma vida cheia de pesadelos. O que separa o real do imaginário? Qual é a fronteira entre o sonho e a realidade? E se o sonho não é sonho, é um pesadelo? E se essa fronteira desaparece e tudo se torna real e tudo se torna um pesadelo? Quando eu era criança, costumava tentar controlar os pesadelos. Eu me transportava para um lugar agradável para tentar mudar o sonho. Eu tentava conscientemente controlar o inconsciente. E se isso não for mais possível? E se houver um limite para isso? Eu sempre tive medo de ficar louco. Não parar nunca é o que me impede de enlouquecer. Eu estou novamente preso, agora numa cela. O meu carcereiro está com as mãos nas grades da minha cela e depois de olhar fixamente para mim por dois ou três minutos, disparou:
            _ Você não pode fugir daqui. Este é o seu lugar. Esta é a sua prisão e nada que você faça poderá libertá-lo.
            Eu estava indignado. Eu sequer sabia por que havia sido preso. Depois de olhar por não mais que um minuto bem dentro dos meus olhos, eu lhe perguntei:
            _ Por que eu estou aqui? Quem é você?
            _ Você acredita no Diabo, rapaz? _ ele perguntou para mim.
            _ Nem no Diabo nem em Deus e nem em nada que não pode ser provado e que não faça parte do mundo natural.
            _ Mas nós acreditamos em você.
            _ Nós quem? Deus e o Diabo, anjos e demônios?
            _ Não, anjos não existem. Para o seu azar e o de toda essa humanidade corrompida e condenada ao mais terrível inferno, uma verdade é universal: todos os seres humanos estão sós nesta Terra. Nós nascemos sós e morremos sós. E os piores de nós, viramos demônios, almas condenadas para sempre, sem descanso, assombrando os vivos e torturando os mortos.
            _ O que significa isso aqui? O que eu estou: morto ou vivo?
            _ És um morto-vivo, meu caro! Um morto-vivo! Tens medo de viver e medo de morrer e o seu medo é a sua prisão. Mas não se engane: as grades são reais, bem reais, feitas de ferro. E as paredes são realmente de concreto. E você não pode escapar. Você não pode fugir, porque não pode fugir de si mesmo e não pode fugir de mim. Então, até amanhã, meu amigo. Até quando o lobo uivar na última lua cheia e os demônios dançarem sobre os túmulos daqueles que só conheceram o medo, o fracasso e a vergonha. Livres são aqueles que viveram a vida dançando tango com a morte à luz do luar na beira do abismo. Esses eu só posso arrastar para o abismo e deixar que virem pó em paz. Vou embora e retorno na hora do desespero, depois da meia noite, até o céu azul da madrugada. Eu vejo você amanhã no seu inferno particular. Boa noite!
            _ Meu Deus! Eu tenho que sair daqui. _ eu dizia para mim mesmo. _ Vamos lá, pense! Pense!
            _ Olá! _ disse o demônio para mim.
            _ Eu pensei que você tivesse dito que só voltaria amanhã?
            _ Sim, e o amanhã já chegou. Ah, você já perdeu a noção do tempo... Interessante!
            _ O que você quer de mim?!
            Eu me alimento do seu medo e agora é hora da ceia.
            _ Pois que seja um banquete, então, eu não ligo!
            _ Ah, mas vai ligar! Vai ligar!
            Ele entrou na cela e me acertou um soco. Eu fiquei inconsciente por alguns instantes. A sessão de tortura começou: ele olhou mais uma vez para mim, amarrou-me numa cadeira e pegou um cassetete. Depois de me espancar até não poder mais, ele começou o eletrochoque. Eu tive uma convulsão. Fiquei desacordado. Despertei. Fui novamente espancado, agora com chicotadas. Por fim, fui queimado com ferro quente. Fui marcado com ferro em brasa. Eu estava derrotado.
            O tempo não passava. A luz ficava sempre acesa. O tempo não passava. A luz permanecia acesa. Não tinha nada pra fazer. A luz, ainda acesa. Eu não conseguia dormir. Luz acesa.
            A luz da cela nunca apagava. Eu era sempre vigiado. Não sabia quando estava sendo vigiado e me vigiava, me censurava. Os dias passavam, os meses, os anos. Cada dia era uma semana. Cada semana era um mês. Cada mês era um ano. Cada ano era um século! E a luz acesa. Quis quebrar a lâmpada. Não conseguia. Estava quebrado.
            Barulhos de correntes nos corredores da prisão. O barulho da porta fechando, a vibração das grades, som que me acompanha, que está marcado no meu espírito, na minha memória, na minha mente, na minha alma.
            Um rato rodeia a minha cela. O rato entra na cela. Divido com ele as minhas confidências e o meu pão. Mas, no final, até ele me rouba o pão e eu fico sem nada. Só as mordidas de rato.
            Alguns anos antes eu me entreguei às drogas. Eu cheirava tanto pó que era um milagre ainda estar vivo; era um milagre eu ser ainda funcional, na verdade, e ter um cérebro perfeitamente ativo e minimamente saudável.
            Depois da sessão de tortura, o Demônio deixou à minha disposição um coquetel de drogas. Cocaína e heroína para injetar na veia à vontade. Remédios para a dor e tranqüilizantes. Minhas mãos e meus braços, depois de uma semana, já estavam quase inteiramente marcados de pico que eu tomei, cheios de furos de agulhas. Eu já estava à beira da morte. E, então, eu morri.
            Acordei novamente dentro de um caixão, mas, desta vez, sentia um calor cada vez mais intenso. Eu ai ser cremado. Queimado vivo! Eu podia sentir o cheiro da minha carne queimando e a dor incomparável do mais cruel dos destinos. Lembrei de todas as minhas vidas passadas em que fui queimado vivo, em nome de Deus, nas fogueiras da Inquisição, por ser bruxo, por ser epiléptico, por ser um demônio ou por ser qualquer coisa que os meus carrascos quisessem que eu fosse. Não consigo escapar do meu destino. Julguei que teria um fim distinto nesta reencarnação, mas estava enganado. Mas só morrendo, pude voltar à vida. Eu estava agora no meu apartamento. Parecia tudo normal. Tudo igual. Tudo exatamente como era antes. Menos eu.
            Dois meses se passaram. Foram dois longos meses à base de calmantes e analgésicos. A dor física somava-se à dor psicológica, mais profunda, sem dúvida. Mas minhas lágrimas já secaram. E agora, quando choro, são lágrimas de sangue. A insônia alimentava a minha loucura e as alucinações eram o resultado natural da privação do sono e da paranóia. Outro dia, eu acordei e o meu gato estava de pé, olhando para mim, com uma xícara de café na pata direita, oferecendo-a para o meu café-da-manhã. Na manhã seguinte, retribuí o favor e o meu gato pôde desfrutar de um café delicioso que eu preparei.
            Três noites inteiras sem dormir. O meu cérebro está a mil, mas o meu corpo já sente o cansaço do tempo ininterrupto de atividade e de vigília. Na quarta noite, por acidente, encontrei o poema que havia escrito, quando estava possuído pelas vozes que comigo falam o tempo todo e que me acompanharam no tempo em que estive encerrado num manicômio. Um quarto branco. Uma solitária. Muitas drogas. Normalização forçada, porque todo mundo precisa ser normal, na média, igual. O poema dizia o seguinte:
            “Minha cabeça está dentro da gaiola
            E meus olhos vendados, fechados para o transcendental
            E minha boca de dentes afiados, pontudos, rasgantes, que dilaceram a carne
            E os ouvidos lacrados para o infinito
            Não sabem da sinusite, do olfato inútil
            Completando e corroendo os meus sentidos
            Que compõem essa minha cara de pau
            E expõem esse áspero inverno prometido.

            Minha cabeça está dentro da gaiola
            Eu vejo um papel cair no chão do ônibus
            E o jogo de luzes. Será ilusão?
            Eu desenho um símbolo que juro desconhecer
            É o dia mais normal e mais estranho da minha vida
            Nada se compara; nada se equipara; nada remedeia.
           
            Minha cabeça está dentro da gaiola
            Meus pés inchados, estacionados na garagem
            Minhas mãos e meus dedos já calejados estão no varal
            E meu corpo já todo tomado
            Ocupado ocupa o quintal
            E o calabouço onde se encontra meu tronco
            É a jaula onde vive o leão.”

            Ao terminar de ler o poema, estava eu, novamente, preso numa cela.
            _ Meu Deus! Estou de volta à prisão! Como isso é possível?
            _ Bom, finalmente você perdeu completamente a noção da realidade.
            E ao proferir essas palavras, o Demônio que guarda a minha prisão, determinou a minha sentença: “Culpado por sua própria fraqueza. Culpado pelo seu próprio medo. Culpado!”
            Pesadelos. Sessões de terror noturno. Espetáculos de desespero e de violência do nosso próprio espírito. Espíritos. Eles povoam nossas mentes e habitam o nosso lar e são tão reais quanto mais reais forem para nós. Eu vi sombras através da luz do abajur. Eu ouvi os sons da madrugada, sons que não podia explicar. Eu ouvi o barulho ensurdecedor do silêncio da solidão. Eu senti os pêlos do meu corpo se eriçarem. Eu senti o arrepio que só existe na hora depois da meia noite. O pesadelo tornou-se real. E quando dei-me por mim, estava novamente no meu apartamento. O vento uivava do lado de fora, balançava os galhos e as folhas das árvores e batia com força na janela. Batia com força nos meus ouvidos, como o riso das crianças no meio da noite escura. O riso sombrio de crianças mortas. Vencido pelo medo, fiz-me prisioneiro do meu quarto e fiquei esperando que o próximo pesadelo fosse o último.

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