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sábado, 19 de dezembro de 2015

De novo sobre A Hora do Pesadelo

De novo sobre A Hora do Pesadelo

Não tem como não ver "A Hora do Pesadelo" e não pensar no que é o subúrbio americano e a classe média, por baixo de uma fachada de civilidade, por baixo dos bons vizinhos, bons cidadãos, das pessoas de bem, crimes que não se ousa confessar, crueldade, segredos terríveis, um sadismo monstruoso que muitas vezes se iguala ou quase se iguala aos monstros que condena. Tá certo que no filme original Freddy Krueger era um assassino de crianças e no remake ele era um pedófilo, mas o linchamento em que o monstro é queimado vivo não deixa de revelar a crueldade em cada um de nós também; por trás da justiça feita pelas próprias mãos sempre há uma satisfação sádica e perversa e a vingança de Freddy contra os seus algozes pelo assassinato de seus filhos revela, ao mesmo tempo, a sua maldade e a culpa dos pais de suas vítimas. Nisso ambos os filmes são perfeitos. Agora, a opção do último de deixar bem clara a fronteira entre o sonho e a realidade fez com que se perdesse muito da intensidade do filme original, no qual não se sabia exatamente onde começava a realidade e terminava o pesadelo e o medo de dormir, de ter pesadelos, de mais que morrer, de não acordar, pois, tal como na morte, quando nos entregamos ao sono, cerramos os olhos e no sonho outra realidade se torna possível, outra vida é vivida, com outras regras, outras possibilidades, eram compartilhados entre os personagens, em especial a personagem principal, e os espectadores; desse modo, o primeiro filme, sem preocupações moralistas, independente de sua importância social, alcança muito mais o seu objetivo, produzindo efetivamente uma catarse ao explorar por meio do suspense e do terror os medos primitivos e infantis, que não se restringem a um determinado contexto social, e se mostra mais interessante com uma narrativa surrealista. Como já disse antes, o suspense é mais presente no filme original, com ambientes mais escuros, a face do assassino que invade os sonhos de suas vítimas não aparecendo o tempo todo, sugerindo mais as coisas, como no caso da morte de Glen, em que ele não aparece despedaçado ou coisa do tipo, mas o sangue jorra para o teto como um rio, mais ou menos como o rio de sangue que inunda o corredor do hotel do filme O Iluminado, de Stanley Kubrick. Wes Craven fez de Nancy a heroína absoluta no filme de 1984, mas no final ela não o derrota e o pesadelo continua. O original termina num pesadelo, numa manhã ensolarada, diferente do ambiente da fábrica escura e sombria que é bastante explorado e pela qual Nancy caminha por algum tempo antes de topar com Freddy numa das cenas finais. Então, aquilo que parecia ser a realidade e o final que parecia ser feliz se revela mais um truque de Krueger, que continua a jogar em seu terreno e a controlar e a enganar a heroína que pensava ter descoberto como derrotá-lo. No filme de 2010, o final parece ser diferente e parece que Krueger, ao ser trazido para o mundo real, passa a transitar livremente entre os dois mundos (não parecia ser sonho a cena final com Nancy e sua mãe) ou então ela havia caído no sono de novo e estava num novo pesadelo. De qualquer modo, por mais que as cenas fossem bem elaboradas, mesmo os ambientes mais sombrios tinham mais luz do que no original, o rosto de Freddy também aparece muito mais no novo filme, talvez porque o seu rosto já seja uma marca comercial, mas isso trouxe um prejuízo estético se compararmos com o tom de mistério e suspense do filme de 1984. O jogo entre realidade e sonho e, mais do que isso, a confusão entre essas duas dimensões da realidade é o grande lance da história de Craven. Sem isso, o enredo perde muito de sua força. Mas voltando ao que me levou a escrever sobre esse filme novamente, me parece importante o que essa história de terror revela sobre os monstros civilizados por debaixo da máscara que veste a classe média. A culpa pelo crime (mesmo em se tratando de um crime praticado contra um criminoso vil) é um dos eixos norteadores dos dois filmes. O medo do psicopata ou do pedófilo é exposto e exorcizado aqui e o desejo que a sociedade tem de eliminar fisicamente essas pessoas também, um sentimento de raiva justificada diante do mal que serial killers e pedófilos praticam, mas que ao se resolver pelo linchamento e com o pior desfecho possível, o mesmo que se reservava aos bruxos e bruxas da Idade Média, queimando vivo, revela o quão medievais ainda somos em nosso interior, o quão bárbaros e cruéis podemos ser e, portanto, não deixa de ser uma acusação contra a própria sociedade civilizada ocidental moderna, desde a exposição dos seus mais perversos elementos desviantes até a conduta dos cidadãos de bem que confundem justiça com vingança.

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