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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Tendências para o futuro: os próximos 20 anos

Eu não acredito em previsões. A história é possibilidade e não certeza. Mas isso não quer dizer que não seja possível projetar cenários futuros prováveis a partir das tendências atuais, considerando que uma série de acasos e escolhas de sujeitos individuais e coletivos podem mudar os rumos estabelecidos como mais prováveis no momento da análise. Por entender a história como possibilidade também acredito ser válido o exercício da análise contrafactual para o passado, apoiada nas tendências e escolhas que estiveram efetivamente colocadas para os homens e mulheres que vieram antes de nós. Se existe destino, ele é a confirmação de uma possibilidade dentre outras tantas colocadas num dado momento e que se afirmou a partir de escolhas que foram feitas no curso de uma vida humana ou de uma época histórica. É com base nesses pressupostos que inicio essa conversa.
Em primeiro lugar, estamos vivendo o desfecho da trajetória de uma geração de jovens. Os agora adultos que acabam de abandonar a juventude e chegam aos seus 30 anos, tiveram seu batismo na política com o plebiscito popular contra a ALCA, as manifestações contra a Guerra do Iraque e o Fórum  Social Mundial e o seu momento decisivo no Brasil com as Jornadas de Junho de 2013; começaram os seus combates influenciados pelas manifestações anti-globalização e pelas insurreições na América Latina no início do século XXI e assumiram uma identidade mais definida  e um protagonismo real a partir da Revolução Egípcia e da Revolução Islandesa, sendo marcada pelo uso da internet como ferramenta de mobilização e as ocupações como principal método de luta (ocupações de praças públicas, de escolas, de universidades, etc).
Nós estamos vivendo ainda uma ressaca de um momento de enorme euforia e de conquistas simbólicas importantes no Brasil. Pela primeira vez em nossa história foi eleito um partido de esquerda e um líder operário para a presidência da República, tivemos num curto intervalo de tempo a Copa do Mundo e as Olimpíadas em nosso país e a aprovação de leis em favor da juventude, dos negros e mulheres, mesmo que esses setores continuem a ser vítimas do Estado brasileiro, mas, apesar dessas considerações, estamos diante de uma oportunidade  histórica perdida: a derrota e os limites enquanto esteve no poder da Frente Popular, que tinha como forças principais, a maior parte do tempo, grupos de esquerda e de centro-esquerda no Parlamento, no governo e na sociedade civil, como o PT, o PCdoB, o PSB, o PDT, a CUT, a UNE, o MST, e dos setores à direita apoiou-se principalmente no PL/PRB e no PMDB; o surgimento com a posterior estagnação de uma central sindical independente (a CSP-CONLUTAS) com uma direção trotskista (o PSTU); e o surgimento de um novo partido anticapitalista (PSOL) com um peso eleitoral importante, mas sem perspectivas de superação da Frente Popular, tendo, na prática, o projeto não declarado mas efetivo pelas escolhas políticas feitas de construção de uma Frente Popular mais à esquerda. O cenário atual sinaliza para uma derrota estratégica. A tendência de afirmação do totalitarismo de mercado sob a égide da indústria cultural e da consolidação da sociedade de consumo que prevalece nos países mais desenvolvidos é a tendência mais forte aqui também, mas se expressando de forma mais complexa, na medida em que convive com a miséria e com a superexploração. No entanto, a tendência ultraconservadora na política, que se afirmou como reação à esquerdização das massas num primeiro momento e se consolidou diante da frustração das expectativas dos trabalhadores diante dos limites do governo petista, um governo economicista mas não propriamente reformista, deve ser igualmente derrotada. A afirmação da consciência democrática diante da formação de mais de uma geração sob a democracia liberal, sendo esse período democrático mais longo que a nossa ditadura mais duradoura (a ditadura militar), impossibilita um projeto de direita de ditadura civil ou militar, sendo o mais provável a construção de um regime bonapartista que combine o Estado Policial com a democracia de massa. Aliás, a alternativa bonapartista se justifica exatamente pela destruição mútua das forças à esquerda e à direita e pelo equilíbrio catastrófico de forças que se estabeleceu e que tende a se prolongar no tempo. Na história até a natureza cumpre o seu papel. Sendo todos os homens mortais, a velha geração que apoiou o golpe militar de 1964 irá em breve morrer de velhice, boa parte de seus membros não deve demorar muito para morrer, levando à substituição do militarismo fascista pelo fundamentalismo cristão como principal força política conservadora a partir do crescimento das igrejas evangélicas com lideranças fundamentalistas nas cidades brasileiras e a forte presença desses setores nos meios de comunicação de massa. Esse setor já é e será mais ainda no futuro o principal ponto de apoio de um governo bonapartista apoiado na legitimação democrática das urnas.
No campo da esquerda e dos movimentos sociais, também é possível arriscar alguns palpites sobre a possível evolução de alguns movimentos e correntes de pensamento. O Trotskismo é uma corrente político-ideológica que exerce influência sobre uma parcela significativa da juventude estudantil desde a década de 1970 e na intelectualidade desde a década de 1920. O crescimento das correntes trotskistas em militância e aparição pública no período de Frente Popular foi relativamente significativo. Houve um inegável crescimento político do trotskismo no início do século XXI no Brasil e no mundo. Mas já é possível ver sinais de retrocesso político com as derrotas das principais lutas desse ascenso revolucionário que acompanhou a crise econômica mundial. O trotskismo era a última  grande corrente política do marxismo no movimento de massas. Depois da degeneração e superação da social-democracia e da degeneração do bolchevismo em stalinismo e da destruição do aparato stalinista internacional liderado pela burocracia soviética, a outra tendência surgida do seio tanto da social-democracia revolucionária quanto do bolchevismo-leninista que dela nasceu e que com ela rompeu, o trotskismo, parecia ter, finalmente, o caminho aberto para dirigir as revoluções do nosso tempo, mas quis a história que os anos de marginalidade política limitassem drasticamente suas possibilidades de crescimento e que o neoliberalismo fosse um fenômeno ideológico mais profundo que se esperava, abortando a possibilidade histórica de uma revolução socialista democrática e internacionalista. Porém, a persistência do movimento trotskista não terá sido em vão. Muitos passaram por suas fileiras por décadas e muitos mais na última década. A tendência é que se torne uma força no ambiente cultural futuro, na arte, na literatura, na comunicação (internet e jornalismo) e na educação (especialmente no ensino básico), com presença e influência significativas na nossa sociedade, podendo, quem sabe, em outras condições históricas e sociais, tornar-se uma força política com capacidade real de lutar pelo poder.
O anarquismo ressurgiu na política brasileira de forma significativa na sua versão black bloc a partir das Jornadas de Junho de 2013. A derrota desse movimento já é bastante clara. Mas deixou sementes de rebeldia. É provável a afirmação e o crescimento do anarquismo no ciberativismo nos próximos anos. Também tende a se tornar uma força social no ambiente cultural futuro, com uma presença um pouco menor mas considerável que o trotskismo nas artes em geral, na literatura, na comunicação (especialmente na internet) e na educação básica. Existe ainda a possibilidade de surgimento de uma Contracultura no futuro de forte inspiração anarquista e do pós-modernismo progressista.
Outra tendência política relevante na atualidade e para o futuro é o marxismo gramsciano. Essa tendência deve se tornar hegemônica nos partidos de esquerda e na esquerda como um todo no presente e no futuro próximo. Tendência de crescimento na Academia, no meio universitário, nas áreas de História e Ciências Sociais principalmente, rivalizando com o pós-modernismo.
O pós-modernismo tende a se tornar hegemônico nos movimentos sociais, rivalizando nos sindicatos e movimento estudantil com os trotskistas, os anarquistas e os gramscianos,e dominando os movimentos negro, de mulheres, LGBT, tendo um caráter progressista mas não marxista ou anarquista; o pós-modernismo progressista irá, em breve, se tornar majoritário nos movimentos sociais. O pós-modernismo, progressista ou reacionário, de esquerda ou de direita, deve afirmar sua hegemonia na Academia em todas as áreas de Humanas, pelo menos, mesmo que o pensamento tradicional de esquerda com teses mais ou menos modernizantes seja atuante e barulhento o suficiente para dar visibilidade à crítica ao pensamento pós-moderno.
Na educação, a tendência é que as descobertas da neurociência e a teoria psicológica das inteligências múltiplas exerçam forte influência nas práticas de ensino e nas teorias pedagógicas num futuro próximo.
E esse é o mundo que se abre para a geração do meu filho. Desde já, me desculpo por não ter conseguido fazer melhor, mas prometo seguir no combate e talvez reverter algumas das tendências que considero mais sinistras, mais sombrias para a humanidade, para o meu país, para a minha cidade e para a minha classe. Mas é isso que minha razão me revela. Como olho para a realidade como um jogador de xadrez que observa as possíveis movimentações e alternativas e respostas a elas de forma objetiva, não posso oferecer nada além do que uma análise meio observação e alguma coisa de cálculo de probabilidades, e talvez com alguma dose de intuição. No entanto, como acredito que a vontade joga um papel relevante na história humana, faço dessa quase previsão uma forma de agir sobre o futuro também, porque quando prevemos já fazemos o futuro, porque passamos a lutar no presente para confirmar ou reverter aquilo que prevemos. Esse é o segredo mais profundo do impulso de prever que os homens de todos os tempos e lugares sempre tiveram; é sempre uma forma de tentar controlar o futuro; no fundo é só mais um terreno da luta da vontade contra o destino. Pois que assim seja!

Rafael Rossi