BRASIL:
ENTRE O RETROCESSO HISTÓRICO E A RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA
A radicalização do processo político no Brasil chegou ao
seu ponto culminante: de um lado estão todas as forças democráticas, de
esquerda, populares, reformistas e revolucionárias, marxistas, pós-modernas,
progressistas, nacionalistas, desenvolvimentistas, das lutas contra as
opressões e de outro está o fascismo na sua face mais bárbara, a última linha
de defesa de um capitalismo dependente, decadente e de uma classe de
capitalistas completamente subserviente ao imperialismo estadunidense.
No início dos anos 2000, as democracias liberais entraram
em crise junto com a crise do neoliberalismo. A direita tradicional foi varrida
do poder em toda a América Latina. Governos nacionalistas e de Frente Popular
chegaram ao poder ao mesmo tempo pela primeira vez desde o fim das ditaduras
militares no continente. As massas de trabalhadores, estudantes, indígenas,
camponeses e sem-terra colocaram os partidos burgueses tradicionais contra as
cordas. Os velhos políticos da classe dominante foram obrigados a negociar com aqueles
que antes tinham sido presos, espancados e torturados por eles, combatidos
politicamente de todas as maneiras. A força da mobilização impôs uma enorme
derrota à direita nos países mais importantes e mais ricos da América do Sul. O
projeto imperialista da ALCA foi enterrado. Os trabalhadores latino-americanos
podiam respirar aliviados, pelo menos momentaneamente, ao escaparem dos planos
de escravização total da força de trabalho do continente pelos Estados Unidos
da América. Mas para se manter no poder, essas forças progressistas que
chegaram lá por revoluções como no Equador, insurreições como na Bolívia, e
mobilizações de massas que culminaram numa vitória eleitoral humilhante para a
direita como no Brasil, buscaram a conciliação de classes. No Brasil, esse projeto,
capitaneado pelo PT, levou a que muitos de seus quadros se vissem envolvidos
nas velhas práticas de corrupção da velha direita tradicional. Isso acabou
abrindo um espaço político à esquerda dos grandes partidos de esquerda de
massas, como o que ocorreu no Brasil, com a formação de uma nova central
sindical, a CONLUTAS, que tem como sua direção majoritária um partido
trotskista, o PSTU, e a formação de um novo partido anticapitalista, o PSOL. Num
primeiro momento o que se viu foi uma esquerdização das massas, a tal ponto da
terceira via em 2006 ser representada pela oposição de esquerda com a
candidatura de Heloísa Helena à presidência da República pela Frente de
Esquerda (PSOL-PSTU-PCB). O segundo mandato de Lula, o de maior estabilidade
política e também o que lhe rendeu a maior popularidade da história como líder
político, também preparou o caminho para o abismo. Os acordos com forças
conservadores e fundamentalistas armava uma bomba relógio que explodiria em
algum momento no futuro. A preservação desses setores e a permissão para que
eles crescessem livremente como erva daninha levou à expansão de um
reacionarismo em nossa cultura que desprezava até a velha cordialidade do
brasileiro. O fundamentalismo religioso cresceu sob as asas da Frente Popular,
com a aliança do PT com o PL/PRB, partido da Igreja Universal, e outros setores
desse tipo.
As conquistas sociais do governo Lula são inegáveis. Embora
o bolsa família não seja o projeto Fome Zero esboçado na campanha de 2002, ele
de fato garantiu o mínimo de dignidade à maioria da população, afinal, “quem
tem fome tem pressa”, e eu acrescentaria: e quem nunca sentiu fome não pode
julgar. A educação também teve avanços, como a expansão de bolsas de pesquisa,
de vagas nas universidades, construção de escolas técnicas federais, mais verbas
para a educação a partir do FUNDEB, embora não tenha sido um processo livre de
contradições, basta ver a influência do movimento empresarial Todos pela
Educação sobre os projetos desenvolvidos pelo MEC no segundo governo Lula,
surgindo daí o Plano de Metas e o IDEB, por exemplo, claros ataques à autonomia
docente. Além disso, o empresariado se favoreceu na educação e em outros
setores das parcerias público-privadas, que encheram os bolsos do grande
empresariado. Enquanto havia crescimento econômico, todos ganhavam uma parte,
os mais ricos a maior fatia, e as contradições sociais permaneceram
amortecidas. Mesmo com a crise capitalista mundial, o governo petista conseguiu
administrar bem as contradições sociais, fazendo com que o Estado pagasse a
conta dos grandes empresários, beneficiados com isenções fiscais e ajudas dos
bancos estatais. Com a eleição de Dilma, o governo de Frente Popular assumiu um
caráter mais bonapartista e menos conciliador. As alianças com a direita se
ampliaram, mas as negociações com os representantes das classes empresarial e
proletária foram reduzidas e substituídas por atos administrativos. As
negociações com os movimentos sociais eram escassas. Os governos estaduais
aliados, como o PMDB do Rio de Janeiro, reprimiam movimentos de trabalhadores
sem que fossem censurados pelo governo federal. E o próprio governo federal
intensificou o uso das Forças Armadas na segurança pública e mesmo na repressão
a protestos. Em 2013, o governo que conseguia conter o movimento de massas e
por isso era tolerado pela classe dominante, mostrou-se incapaz de conter as
Jornadas de Junho. Esse era o início da tragédia.
JORNADAS
DE JUNHO: AVANÇOS E CONTRADIÇÕES
As Jornadas de Junho tiveram início com a juventude na
luta contra o aumento das passagens de ônibus. O MPL (Movimento Passe Livre)
foi a ponta de lança daquele movimento, ficando afastada, portanto, a hipótese
de um protesto que teve um caráter fascista, manipulado e pró-imperialista
desde o princípio. A cronologia dos fatos é importante. No dia 13 de junho a
repressão aos protestos foi brutal. A Polícia Militar reprimiu os manifestantes
no Rio de Janeiro e em São Paulo com uma truculência digna da ditadura militar.
No dia 17 de junho de 2013 ocorreu a primeira grande manifestação democrática
desde as Diretas. Cerca de 250 mil pessoas foram às ruas, 100 mil só no Rio de
Janeiro. Emergiram várias demandas, várias bandeiras (embora muitos dos
manifestantes impedissem que as bandeiras de partidos fossem levantadas, fato
que seria habilmente usado pela classe dominante posteriormente), mas a maior
delas foi contra a repressão. É como se os adultos tivessem acordado e tomassem
as dores daqueles meninos que apanhavam do aparato repressivo de Estado,
enquanto a geração adulta engordava no sofá de frente para a TV. O dia 17 de
junho foi, antes de mais nada, um movimento de solidariedade, e isso é uma das
coisas mais progressivas que podem existir. As grandes emissoras de TV não
conseguiam forjar uma narrativa coerente para interpretar aqueles
acontecimentos; os governos ficaram paralisados; as polícias foram neutralizadas.
As massas se apropriavam das ruas e diziam para o Estado e a classe dominante
que o domina que exigiam dignidade, direitos sociais e mais democracia. No dia
20 de junho, no entanto, a classe dominante já havia conseguido se rearticular
e pela primeira vez os agentes do aparato repressivo atuaram abertamente junto
com grupos nazifascistas para quebrar a coluna do movimento. A burguesia soltou
seus cães da coleira e ordenou que caçassem os militantes de esquerda. As
pautas do movimento começaram a ser impostas verticalmente pela Rede Globo e o
sentimento antipartido foi alimentado na população pela grande mídia. Nesse
quadro, o dia com o maior número de manifestantes nas ruas, mais de 1 milhão, também
foi o da mais dura repressão para os movimentos sociais. A partir daquele dia,
aquela enorme frente política que se forjou nas ruas, o partido das ruas,
rachou e de um lado se situaram as forças de esquerda e de outro a
extrema-direita. Ali a extrema-direita começou a disputar as ruas e a hegemonia
política na sociedade brasileira. No entanto, a unidade do movimento, em
especial com a paralisação nacional do dia 11 de julho de 2013 articulada pelas
centrais sindicais, fez com que os atos dos movimentos de esquerda superassem
os da extrema-direita, recuperando momentaneamente para a esquerda o monopólio
das ruas. Surge em meio a esses protestos a figura do black bloc, expressão das
novas formas de organização política dos jovens que não tinham mais na esquerda
tradicional uma referência.
O
NAUFRÁGIO DO GOLPE PARLAMENTAR: BRASIL NÃO É PARAGUAI
Uma nova forma de golpe de Estado surgiu na segunda
década dos anos 2000: o golpe parlamentar. Mantendo uma aparente legalidade,
processos de impeachment absolutamente viciados cumprem o papel de tirar do
poder dirigentes de esquerda e de centro-esquerda eleitos pela soberania
popular nas urnas, para que a direita tradicional possa voltar ao poder, mesmo
que pela porta dos fundos. Foi isso que aconteceu no Paraguai, quando da queda
do presidente Fernando Lugo. Tentando reproduzir a fórmula de sucesso no Brasil,
a direita liberal e conservadora viu que a sociedade brasileira possui um dos
movimentos sindicais e populares mais poderosos do mundo. Tendo vencido Aécio
por uma margem apertada de votos e perdendo popularidade rápido ao ceder ao
mercado e iniciar a aplicação da política de ajuste fiscal, Dilma foi removida
do poder sem razões suficientes para uma medida tão drástica e traumática. O
roteiro era claro: colocava-se no poder um governo da direita e da centro-direita
puro, que não tivesse que prestar contas aos movimentos sociais, para aplicar
as medidas privatizantes e a retirada brutal de direitos sociais em ritmo
acelerado. Mas no meio do caminho havia uma pedra. Se nas Jornadas de Junho o
protagonismo principal foi dos jovens, na luta contra o governo Temer o
movimento sindical foi decisivo. Foi a articulação política das centrais
sindicais, CSP-CONLUTAS, CUT, CTB, Força Sindical e outras, que permitiu a
realização da maior greve geral de nossa história: 100 anos depois da primeira
greve geral no Brasil, a greve geral de 1917, no dia 28 de abril de 2017,
ocorreu a maior greve geral da história do Brasil.
A
GREVE GERAL DE ABRIL DE 2017 E A DERROTA DO GOVERNO TEMER
A greve geral contou com a adesão de 40 milhões de pessoas
e registrou paralisações em mais de 150 cidades, superando os números das
grandes greves gerais da década de 1980. Para quem julgava o movimento sindical
morto e o proletariado uma força social e política que pertencia ao passado, a
greve geral de 28 de abril serviu para lembrar que aqueles que produzem a
riqueza social não estão dispostos a ver suas condições de vida e trabalho
reduzidas a níveis próximos daqueles experimentados pela classe trabalhadora no
século XIX. O projeto de rapina do patrimônio nacional e de retirada brutal de
direitos sociais contou com a forte oposição dos trabalhadores organizados,
sindicalizados, muitos de orientação mais progressista e de esquerda,
trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada, a velha força
política e social antagônica aos capitalistas. A contradição entre capital e
trabalho se expressou num confronto aberto nas ruas e a polarização da luta de
classes alcançou o seu auge. Como resultado desse movimento, a Reforma da
Previdência do governo Temer foi enterrada. Temer também acabava de perder sua
serventia para o mercado. Se uma governante socialdemocrata não pode segurar o
movimento e nem um liberal, quem pode?
A
BESTA DO FASCISMO GANHA UM ROSTO
Como resposta à ineficiência de Michel Temer para aplicar
os planos de saque dos recursos naturais e de superexploração da mão de obra
brasileira, a classe dominante inventa Bolsonaro. Até então, um político
folclórico e representante de um lumpesinato político e social, Bolsonaro é
transformado pela burguesia no salvador da pátria. Ainda insegura com essa
opção, a maior parte da classe dominante aposta no PSDB velho de guerra, o
partido da direita preferido da alta burguesia, mas o governo Temer foi um
desastre e todos que o integraram sofreram um enorme desgaste, e isso inclui os
maiores partidos da direita tradicional brasileira: o PMDB e o PSDB. Sem
alternativas e sem disposição para construir um novo pacto social que envolva
um governo de conciliação de classes como no passado, a classe dominante
resolve aderir ao fascismo. Se o preço a pagar para abocanhar maiores lucros é
o sacrifício da democracia, que assim seja! E é com esse raciocínio que parcela
significativa da classe dominante e dos burocratas do Estado, em especial das
Forças Armadas, do Judiciário e do Ministério Público, vai com tudo para o caminho
do golpe militar. Esse golpe pode ser dado com tanques nas ruas ou de forma
gradual como já está acontecendo: generais tutelam o Supremo Tribunal Federal e
o Poder Executivo; o estado que demonstrou maior resistência ao projeto
golpista, o Rio de Janeiro, sofre uma intervenção militar depois do Carnaval
mais politizado em anos, com direito a protestos contra o governo Temer e a
Reforma Trabalhista. E é apoiado por esses generais e pelos empresários mais
lumpens da burguesia nacional que Bolsonaro chega ao primeiro lugar nas
intenções de voto para a presidência da República.
#ELENÃO:
O PROTAGONISMO DAS MULHERES
As redes sociais
eram o terreno que os fascistas dominavam. Robôs imperavam no Twitter. Fake
News imperavam no Whatsapp. Páginas reacionárias de cunho fascista, racista,
homofóbico e machista imperavam no Facebook. No entanto, diante do crescimento eleitoral
e político de Bolsonaro e das ameaças dele e de seu vice, general Mourão, aos
direitos das mulheres e da comunidade LGBT, surgiram grupos no Facebook contra
o líder fascista, o maior deles foi o Mulheres
unidas contra Bolsonaro, que mesmo sendo alvo de ataques cibernéticos de
adeptos de Bolsonaro chegou a ter mais de 3 milhões de mulheres, e foi desse
grupo do Facebook que partiu a organização da manifestação que levou centenas
de milhares de pessoas em várias cidades do Brasil e do mundo a ir às ruas contra
o machismo, o racismo, a homofobia e contra o fascismo. As pessoas superaram o
medo depois de uma onda de ameaças e de agressões e tomaram as ruas e as
mulheres foram a vanguarda desse movimento. Alguns dirão que isso deu mais munição
ao fascista e emblocou a classe dominante contra os setores explorados e
oprimidos, mas o contrário seria esperar sentados pela bondade dos carrascos.
Uma coisa nada inteligente de se fazer. O movimento se politizou. Pessoas que
não participavam da política foram às ruas contra o fascismo. As mulheres, o
setor mais atacado pela chapa do golpe militar, foram maioria nos atos e sua
liderança. O sujeito social que lidera essa nova onda de lutas são as mulheres.
O
EMBRIÃO DE UM MOVIMENTO ANTIFASCISTA DE MASSAS
Nós não controlamos o que pode sair dessas eleições. A
esquerda e a centro-esquerda se dividiram em várias candidaturas. Talvez se
fosse conformada uma chapa de centro-esquerda com Ciro Gomes e o PT a polarização
tradicional com o PSDB e o bloco de centro-direita conformado pelos tucanos tivesse
se afirmado e Bolsonaro fosse jogado para escanteio. Isso é possível e provável.
Mas não parece que a nossa classe dominante esteja disposta a aceitar a derrota
nas urnas depois de enveredar pelo caminho do golpe. O fato da esquerda e da centro-esquerda
terem sido maioria nos atos do dia 29 de setembro influenciou bastante na escolha
da grande mídia por embarcar na candidatura do fascista sem pudores. Alckmin
esperava se apropriar do #ELENÃO e ganhar para si a adesão das mulheres contra
Bolsonaro. Mas a maior manifestação de mulheres da história do país teve uma
clara orientação progressista e mais à esquerda e isso os articuladores do
golpe de 2016 não podem aceitar. Preferem ficar com os herdeiros políticos do
torturador Ustra e do ditador Médici do que aceitar a soberania popular. Aliás,
essa é uma virada interessante. A democracia que entrou em crise no início do
século XXI pela aplicação do projeto econômico neoliberal sob a hegemonia
política da direita, agora entra em crise por outro motivo: depois de séculos,
a democracia volta a ameaçar os interesses da classe dominante. A burguesia
perdeu a capacidade de dirigir a sociedade pelos mecanismos da democracia
liberal. A guinada bonapartista de boa parte dos donos do poder parece indicar
isso. Não podem mais tolerar a soberania popular porque ela se tornou de fato
soberana. Nesse sentido, foi um acerto político encher as ruas do Rio de
Janeiro, de São Paulo, de Salvador, de Belo Horizonte, de Nova Iorque, de
Lisboa, de Paris contra a extrema-direita, contra o fascismo, forjando um
movimento antifascista de massas nas redes sociais e nas ruas com ligações
internacionais que servem de força e proteção. A maior manifestação política
contra um candidato à presidência antes das eleições entrará para a História. E
isso servirá para fortalecer as lutas futuras.
A
DISPUTA ELEITORAL AINDA NÃO TERMINOU
O crescimento em intenções de votos de Bolsonaro após as
manifestações, solenemente ignoradas pela grande mídia brasileira e noticiada
em detalhes pela imprensa internacional, pode ser expressão de um movimento
verdadeiro ou não. Na verdade, não há como saber. Os institutos de pesquisa não
são neutros e isso pode ser parte de uma guerra psicológica. Através das
pesquisas, os donos do poder constroem profecias autorrealizadas, ou seja,
apontando um determinado cenário provável, mas não certo, levam as pessoas a se
dirigirem naquela direção. Pode ser essa a estratégia que está em curso, é o
mais provável. De todo modo, a política de desconstrução de Bolsonaro e de
ampliação de sua rejeição chegou ao limite. Nessa última semana, todos os
esforços devem ser para ampliar as intenções de votos de Haddad no eleitorado
lulista e de Ciro Gomes no eleitorado mais ao centro (não adianta apelos de
voto útil a um e a outro, as candidaturas estão postas e estão no jogo) e de ir
pra cima dos maiores colégios eleitorais – São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro – na reta final e de espremer tudo o que puder na região Nordeste. É o
que é possível fazer. De outro lado, é importante nessa reta final divulgar
mais as candidaturas ao Parlamento, para deputados estaduais, deputados
federais e senadores. Há grandes chances de se eleger parlamentares do PSOL,
PSB, PT, PDT e PCdoB em número significativo em meio a essa disputa política, à
politização à esquerda nas redes sociais e nas ruas, e diante da crise do
governo Temer e do desgaste dos partidos que o compuseram. Caso o pior aconteça
e Bolsonaro se eleja, precisaremos de todos os pontos de resistência que
pudermos para enfrentar a barbárie fascista.
DITADURA
E BOLSONARO: ORDEM AUTORITÁRIA E VELHO OESTE
A ditadura militar foi reacionária, promoveu assassinatos
políticos e torturas, mas o Estado detinha, de certo modo, o monopólio da
aplicação da barbárie. Bolsonaro é outro fenômeno, mais semelhante ao nazismo.
O tipo de sujeito que se identifica com Bolsonaro não é exatamente um adepto da
ordem, mas alguém que quer ter carta branca para xingar os negros, matar
pobres, espancar mulheres e homossexuais. A política de distribuir armas para a
população por um viés fascista é o contrário do monopólio das força pelo
Estado, de uma concepção hobbesiana de um Estado forte para dominar os
indivíduos que por si mesmos são lobos uns dos outros; é mais uma política de transformar
o Brasil num Velho Oeste em que cada um que acerte as contas com quem lhe
ofendeu, lhe agrediu, lhe roubou. Será o país da naturalização dos
linchamentos. Quem espera maior segurança com Bolsonaro no poder está
redondamente enganado; ele é um agente do caos e seus seguidores mais fiéis são
um lumpesinato, a banda podre do aparato de segurança e os indivíduos mais
violentos e sádicos da nossa sociedade civil, uma camada de psicopatas no seu nível
mais grave, que estão apenas esperando um governo que lhes dê consentimento
para agir de maneira brutal e antissocial sem o perigo de sofrer punição.
A
RESISTÊNCIA VENCENDO O MEDO
O assassinato político de Marielle foi um ensaio do que
estava por vir. Mas os que cometeram aquele crime esperavam fazer muitos mais
em tempo mais curto, mas a resistência foi gigante. O funeral de Marielle foi o
maior ato político do ano de 2018 até o acontecimento do #ELENÃO e, com
certeza, serviu para preparar nas consciências das mulheres, em especial das
mulheres negras, os atos do dia 29 de setembro, dando-lhes a certeza de que se
não derrotassem o inimigo, ele não seria gentil, não retribuiria o favor. A luta
é dura, mas precisamos resistir. Prudência é mais que bem-vinda. Sabemos como
eles agem e não podemos dar munição para o inimigo, afinal, está comprovado que
setores autônomos em meio à greve dos caminhoneiros eram orientados por lideranças
bolsonaristas via Whatsapp para criar instabilidade política e prejudicar a
população, bem diferente de greves legítimas de trabalhadores que não se
associam aos fascistas. Nas Jornadas de Junho foram abundantes os agentes
infiltrados se fingindo de black blocs. Esses são os homens que riram da
destruição do Museu Nacional pelas chamas porque odeiam a ciência, a cultura e
a história. Esses são os homens que mataram Marielle mais uma vez ao difamá-la
depois de morta. Não podemos esperar nada desses senhores. Por isso, temos que
dizer bem alto que nós não temos senhores e que vai ter resistência.
Rafael Rossi