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sábado, 19 de dezembro de 2015

NÃO ABRA A PORTA - CONTO DE TERROR

NÃO ABRA A PORTA

Não abra a porta

            Sinto uma presença, como a presa que sente a presença do predador. Sinto um arrepio, alguém se aproxima, alguém me vigia. Não é ninguém.
            São quatro da manhã e eu estou acordado. Resolvo sair para dar uma caminhada. Paro na esquina da casa assombrada. No meu bairro havia uma casa que estava há anos abandonada, completamente vazia. Todos diziam que ela era mal-assombrada. A casa era habitada, mas por espíritos. Era o que diziam. Eu observo de longe. Uns garotos invadem o casarão por curiosidade. A fachada do casarão da esquina já estava com a tinta descascando, manchada, pichada e suja. Eu vi uns garotos entrarem na casa. Mas não vi ninguém sair. Nunca. Nunca ninguém saiu.
            Passadas duas semanas, eu estava caminhado pela rua, quando passei em frente ao casarão assombrado. Na porta tinha um gato preto de olhos amarelos. Ele estava lá, parado, sentado na calçada em frente ao portão. O gato preto miou para mim e seguiu em direção ao interior da casa, como se tentasse me conduzir. Desconfiei, mas minha curiosidade era maior do que o meu medo. Sendo assim, entrei e arrisquei encarar o sobrenatural. Rumando para o desconhecido, abri a porta e dei alguns passos pela sala. De repente, a porta se fechou. Pensei comigo mesmo: “É só o vento”. Segui em diante, então. Olhei para o canto esquerdo da sala e lá havia um piano e em cima do piano estava novamente o gato preto. Eu não conseguia deixar de ficar hipnotizado pelos seus olhos amarelos. Eu olhei bem para dentro dos seus olhos até ver o meu reflexo. O meu rosto refletido naqueles olhos era a face do horror! Eu me virei para o espelho na parede e vi a minha imagem desfigurada e minha cabeça e corpo ensanguentados. Eu dei um grito e fechei os olhos, mas quando os abri, estava tudo normal.
            Logo na entrada da casa havia uma escada que levava ao andar de cima. Eu subi cada degrau rezando diante do temor daquilo que me aguardava. No segundo andar da casa tinha um corredor que levava até os quartos. Enquanto eu me aproximava de um dos quartos, ouvi vozes de crianças. Elas estavam rindo. Quando eu abri a porta, não havia ninguém no quarto, mas aquelas risadas macabras ainda podiam ser ouvidas. Saí correndo de lá e já ia descer a escada, quando vi um lobo de pelo todo preto e olhos vermelhos, babando e mostrando os dentes, guardando a saída. Mirei para a janela e observei que a noite já tinha caído. Era uma noite sem lua. As estrelas estavam cobertas pelas nuvens. Um estranho nevoeiro deixava o cenário com um tom ainda mais sinistro. A hora do desespero. Um rosto branco e pálido podia ser visto no vidro da janela, do lado de fora. O terror tomou conta de mim. Eu fiquei completamente paralisado de medo. Eu dizia para mim mesmo: “Corra, vamos, corra, saia já daí!”, mas eu não conseguia dar nenhum passo. Depois de uns dois minutos, consegui me mover e me tranquei em um quarto. Fiquei lá dentro por umas duas horas. Resolvi sair, mas qual foi minha surpresa quando eu descobri que estava trancado. Pensei que o mesmo impulso que me impeliu a encarar o desconhecido num primeiro momento, agora me levava a buscar entender a situação tão inexplicável, pelo menos através de argumentos lógicos e racionais. Um misto de sentimentos tomava conta de mim. Um instinto de autopreservação também regia as minhas ações e criava no meu ser uma contradição insolúvel: eu queria, mas não queria estar ali. Devo confessar que “o não querer” cada vez ganhava mais terreno em meu espírito.
            Um silêncio sepulcral tomou conta daquele lugar. Eu podia ouvir o barulho ensurdecedor da pia da cozinha pingando, gota a gota. Eu podia ouvir o vento uivando lá fora e o som que fazia ao bater na janela. Eu podia ouvir até mesmo o silêncio. Um choro de mulher irrompeu no ambiente, cortando o silêncio aterrador. Mas um pavor ainda maior inundou a minha mente, sufocando de vez a razão. Senti aquele frio na espinha, que só se sente diante do medo e do perigo. Algo esbarrou em mim. Quando eu me virei para saber o que era, descobri que se tratava de um corpo pendurado numa forca. Observando atentamente, notei que se tratava do meu corpo. Era eu que estava ali pendurado com uma corda no pescoço. Forcei a porta, dominado pelo desespero e consegui, finalmente, sair do quarto.  Desci as escadas correndo e abri a porta. Isso é tudo que me lembro. No dia seguinte, eu estava num hospital. Num hospício, para ser mais exato. As sessões de eletrochoque e as várias drogas que usavam para me dopar, com certeza não me ajudavam a lembrar da experiência que vivi naquela casa. O enfermeiro que inspecionava o meu quarto tinha uma suástica tatuada no braço. O lugar era mais uma prisão do que um hospital e o tratamento médico assemelhava-se a uma sessão de tortura.
            Dez horas da noite eu me deitei para dormir e então eu comecei a sonhar e nesse sonho eu abria um armário em um dos quartos do casarão e de lá saíam dezenas de morcegos. Quando eu acordei, estava sem ar. Eu podia sentir a mão gélida da morte no meu peito e senti o meu coração congelar. As batidas estavam cada vez mais fracas, até que o meu coração parou de bater. Tudo que eu sei é que desde esse dia, sempre que eu acordo, estou naquela casa e só consigo andar pelo seu perímetro. Eu nunca chego na parte de fora do casarão. Mas também nunca mais encontrei aqueles garotos curiosos ou o gato preto.

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