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sábado, 19 de dezembro de 2015

DE VOLTA DO INFERNO - CONTO DE TERROR

DE VOLTA DO INFERNO

De Volta do Inferno
            Nestas páginas vocês não encontrarão fantasmas, zumbis ou lobisomens. Nada de histórias de vampiros ou de demônios bíblicos. Nada de monstros no armário. Nada de bicho-papão. Mas tenham medo do escuro e daquilo que ele revela.
            Lázaro tinha 33 anos quando morreu. Ele tinha catalepsia e não sabia. Ele era meu vizinho. Um homem simples. Toda manhã, saía para trabalhar e só voltava no final do dia. Sempre foi uma pessoa de bastante saúde e vitalidade. Ele morava junto com sua irmã. Ela ouvia vozes e via coisas, principalmente no escuro. Uma mãe-de-santo lhe disse que ela era uma vidente. Um médico lhe disse que ela era epiléptica. Outro, que ela era esquizofrênica. O seu irmão considerava-a louca. As suas visões aumentaram de freqüência nos últimos meses. Ela acreditava que isto era um mau presságio. De repente, numa sexta-feira 13, Lázaro caiu morto no chão da cozinha. A sua morte era um mistério. Alguns vizinhos desconfiavam que a loucura de sua irmã poderia ter chegado ao ponto dela se descontrolar e matá-lo. Ela poderia tê-lo envenenado.  Quem sabe? Sendo assim, deu-se uma investigação policial. O corpo foi enviado para a autópsia. Dois legistas iam começar a abrir o corpo:
            _ Nossa, como era feio esse cara!
            _ E isso é comentário que se faça!
            _ Qual é! Você acha que o morto vai ficar ofendido?
            _ Você não existe, cara!
            _ Tá certo! Tudo bem, cara, olha, eu só vou fazer um lanche antes, tá bom?
            _ Vamo terminar logo isso!
            _ Não antes de comer um sanduíche. _ e o primeiro legista pegou um sanduíche e começou a comer em cima do corpo.
            _ Você vai comer aqui? Ai, acho que eu vou vomitar! _ disse o segundo legista.
            _ Fica frio, meu irmão! A gente já vai cortar esse pedaço de carne num segundo. E o pior é que, com certeza, vai ser pra nada. Provavelmente ele morreu de infarto ou coisa parecida.
            _ É, só que o cara não fumava, não bebia, nada!
            _ Ué, ele podia mentir sobre isso! Ou você acha que todo mundo é um santo que nem você, que só diz a verdade?
            _ Tudo bem, então, vamos acabar logo com isso!
            O corpo de Lázaro estava estendido numa mesa; ele estava todo nu. Os legistas começaram a abri-lo.
            _ Ei, peraí, você tem alguma idéia de por onde podemos começar? _ perguntou Álvaro, depois de terminar o seu lanche.
            _ A irmã disse que ele era perfeitamente saudável, mas que nos últimos meses vinha sofrendo de dores fortes na região do abdômen e problemas intestinais. _ respondeu Bruno, o segundo legista.
            _ Certo, então, vamos estripar logo o defunto!
            Eles abriram a barriga do cadáver e colocaram as suas tripas para fora do corpo e começaram a examinar os intestinos. Examinaram cada centímetro do intestino delgado e não encontraram nada.
            _ Ei, parece que a  irmã deu a pista errada. _ disse Álvaro.
            _ É, tudo para dificultar o nosso trabalho.
            _ Bem, e por onde vamos investigar agora, vamos subir ou descer?
            _ Bom, problemas cardíacos são bastante comuns. Vamos abrir o peito dele.
            _ Certo, mas desta vez, você faz a incisão.
            _ É, e o que você vai fazer, ficar olhando?
            _ Não, vou comer mais um sanduíche.
            _ Outro? Sabe, chega a embrulhar o meu estômago a cena grotesca de você comendo em cima do corpo, as migalhas caindo sobre o morto e você manipulando o material da autópsia com as mesmas mãos com que você segura o sanduíche.
            _ Mas você é fresco mesmo, né! Arranca logo esse coração pra gente dar uma olhada.
            _ OK, lá vai!
            Mas quando Bruno começou a cortar o peito de Lázaro, ele acordou gritando com dor e horrorizado. Ele estava nu e com as tripas para fora. O peito tinha um corte profundo, bem no meio.
            _ O que aconteceu comigo? O que está acontecendo? Onde é que eu estou? Onde é que...
            Lázaro desmaiou. Os legistas tentaram salvá-lo de todas as formas, mas, agora, ele estava realmente morto. A sua irmã, Isabel, recebeu a notícia.
            _ Mas que horror! Mas como podem fazer uma autópsia numa pessoa viva?! Meu Deus! Que horror! Que horror!
            E, de repente, ela começou a ter uma convulsão. Ao acordar, ela estava ainda um pouco desnorteada. Ela se recompôs e saiu para resolver todas as questões burocráticas para o enterro de seu irmão.
            Era uma tarde chuvosa. O céu cinza, a chuva fria e a lama sob os pés dos presentes no enterro davam o tom da cena miserável e triste do sepultamento de Lázaro. Eu fui, afinal ele era o meu vizinho, e foi justamente lá que eu ouvi toda a história de terror, que mais parecia um pesadelo.
            À noite, Isabel estava sozinha em casa. Sozinha com seus pensamentos na mais completa escuridão. Foi quando ela desejou. Ela pensou consigo mesma que venderia a alma ao Diabo, se isso trouxesse o seu irmão de volta. Então, ela ouviu um barulho. Tinha alguém na sala. Ela foi na direção do lugar de onde viera aquele som e encontrou um homem vestido com um terno preto. Ela reparou que o homem tinha um bigode e um cavanhaque, cabelo preto e olhos castanhos. Ele era moreno e magro e tinha as unhas compridas. Os seus dentes eram amarelados e o homem tinha uma cicatriz no rosto, como um corte de navalha.
            _ Boa noite, senhora!
            _ Que... Quem é você? O que está fazendo na minha casa? Eu vou chamar a polícia!
            _ Acalme-se, senhora, eu só vim aqui porque fui convidado.
            _ Convidado? Você está louco! Eu vou ligar agora para a polícia.
            _ Se eu não me engano, você fez uma oferta: disse que venderia sua alma, se isso trouxesse o seu irmão de volta, não foi?
            _ Não, não disse. Mas pensei.
            _ Pois é. E aqui estou.
            _ Quem é você? Digo, quem realmente é você?
            _ Ora, quem mais? O Diabo.
            _ O Diabo?!
            _ Sim, e para quem você pretendia vender sua alma? Não me diga que eu tenho concorrência?
            _ Não, quer dizer, eu não sabia que isso existia. Quer dizer, não sabia que isso existia realmente.
            _ Sim, mas eu existo e aqui estamos. Agora, diga-me, alguns anos de vida a mais para o seu irmão valem realmente a sua alma imortal?
            _ Eu não sei. Acho que sim. Tudo que eu sei é que o meu irmão sempre cuidou de mim e eu nunca lhe retribuí. Nunca.
            _ Sim, o seu irmão era um homem muito bom, e, no entanto, encontra-se comigo nas profundezas do inferno!
            _ No inferno? Mas o que ele fez para merecer isso?
            _ Você quer saber? Você quer realmente saber?
            _ Não. Acho que não. Tudo que eu quero é o meu irmão de volta.
            _ Está bem. Então, realizarei o seu desejo. Peço apenas que assine este contrato, para que fique tudo registrado de maneira clara.
            _ Onde eu assino?
            _ Na linha pontilhada, por favor.
            _ Mas o que eu uso para assinar? Estou sem caneta aqui comigo.
            _ E quem disse que a assinatura é com tinta? Preciso do seu sangue para selar o pacto.
            _ O meu sangue?
            _ Sim, mas só um pouco, não se preocupe.
            _ Está bem. O que for necessário.
            _ Ótimo!
            Então, ele pegou uma faca e cortou o pulso da mão esquerda de Isabel. Em seguida, deixou algumas gotas do seu sangue caírem em cima do contrato, na parte referente à assinatura.
            _ Pronto. Assim está ótimo. Faça um curativo, sim, não queremos que morra sem poder desfrutar de mais alguns anos felizes com o seu irmão. Até logo, Isabel.
            Na manhã seguinte, a mesa do café estava posta.
            _ Oi, dorminhoca, finalmente acordou!
            _ Lázaro! Meu Deus, você está vivo!
            _ Mas é claro que eu estou vivo! O que você pensa que eu sou, um fantasma?
            _ Não, não, claro que não! Eu só estou feliz em ver você esta manhã. Só isso.
            _ Bom, chega de conversa e vamos comer, pois hoje eu terei um dia cheio no trabalho.
            _ Tudo bem, vamos comer!
            Às três horas da tarde, eu estava no portão de casa e Isabel veio falar comigo.
            _ Você viu? O Lázaro está vivo e bem!
            _ Isabel, nós enterramos o Lázaro ontem.
            _ Não, você não entende. Mas também, como poderia? Tudo que importa é que ele está comigo de novo.
            Dez horas da noite. O seu irmão ainda não chegou e Isabel acabou adormecendo no sofá da sala. De repente, ela acorda e dá de cara com Lázaro, que começa a asfixiá-la.
            _ Você me matou! Você me matou!
            _ Não, eu não tive culpa! Eu não tive! Por favor! Não! Perdão! Eu sinto muito!
            _ Tarde demais! Assassina! Você vai pagar pelo seu crime! Morra!
            E ela morreu. Assassinada a sangue-frio. Maneira horrível de morrer. Na verdade, o seu irmão era um psicopata. Ele estuprava e matava mulheres e depois mantinha relações sexuais com os seus cadáveres por vários dias. Muitas vezes, fazia isso com meninas. Pedófilo, estuprador, assassino e necrófilo. Não é à toa que ele foi parar no inferno. Lá, ele era torturado todos os dias sem parar. Depois, passou a torturar. Virou um demônio, um monstro pior do que foi em vida. O inferno não é habitado por anjos caídos ou pelos servos de Lúcifer. Os cães do inferno são os homens que foram perversos em vida. A sua punição é ter sua alma corroída por seus crimes todos os dias, todas as horas, todos os minutos, todos os segundos, por toda a eternidade. Eles são amaldiçoados com o destino de seguir corrompendo outros homens e de serem os seus carrascos no outro mundo.
            Ao contrário daquilo que dizem, não existe um Inferno e um Céu somente. Existe um Céu e um Inferno particular para cada ser humano nesta Terra e o inferno de Isabel era vagar como uma sombra, numa planície solitária, por toda a eternidade. Ouvi dizer do próprio Diabo que o meu era um terreno rochoso, com um jardim de espinhos no topo. E eu ficaria atravessando este caminho de pedras e espinhos todos os dias, derramando o meu sangue no chão, andando descalço, e sentindo uma dor intensa o dia inteiro, vagando sem nunca chegar a lugar nenhum.
            Na solidão da noite, em meio à escuridão, os pesadelos ganham vida, os medos tomam forma e os demônios saem para dançar e sugar da vida o seu néctar, sem nunca se saciar, parasitando os espíritos fracos e covardes. Numa sala escura, somos uma presa fácil do medo e da loucura. Não tenham medo de monstros, dos espíritos, de Deus ou do Diabo, mas tenham medo do escuro. Tenham medo!

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