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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

POEMAS DE RAFAEL ROSSI

PORTAS

Cada porta que eu abro são outras tantas que se fecham;
Cada escolha que eu faço são outras vidas que eu deixei de viver;
Cada porta que eu fecho atrás de mim é uma realidade que ficou para trás;
Cada janela que eu deixo de abrir é um muro de concreto à minha frente;
Cada muro que eu derrubo é um caminho que se abre;
Cada ponte que eu construo é uma ilha que se une ao continente;
Cada monte que subo é um passo a mais em direção ao infinito;
Cada rajada de vento que me derruba é mais uma vez em que tive que me levantar;
Cada nuvem de tempestade encobrindo o Sol é um Sol que nasce nos meus sonhos;
Cada porta e cada janela do prédio que construímos é uma vista pro futuro;
Cada estrada que pavimentamos é uma nova possibilidade e um novo destino;
Cada nova porta que abrimos é outra versão de nós mesmos que descobrimos.
Rafael Rossi






Orgasmo



Quero sentir o seu peito contra o meu
Quero sentir o calor que nossos corpos juntos emanam
Quero ficar dentro de você
Quero viver e morrer dentro de você.

Quando sinto sede, é a sua saliva que eu bebo
Quando sinto frio, o teu corpo me aquece
Quando sinto fome, te devoro.

Encontro abrigo no teu seio
Chupo os seus seios e me alimento da nossa paixão
Beijo os seus mamilos e a sua boca
Mordo suas nádegas como quem morde o fruto proibido
Incendeio o meu coração com o tesão que seu corpo me dá
E penetro o teu sexo com toda paixão
Amor e desejo se fundem no nosso prazer.

Os nossos corpos suados se encontram no Paraíso
Lamber todo o seu corpo, que sonho sensual!
Uma explosão de prazer encerra a nossa dança erótica
Não há represa para o rio violento da paixão
O nosso tesão nos liberta
Não é a visão nem a razão, é a pele que sabe
E é a sua pele que eu quero sentir
A vida sem orgasmo não vale a pena ser vivida.

Rafael Rossi


O que será

Vou regar a terra com sangue e suor
Arar o chão de asfalto
Fazer brotar o trigo
Não vou perder a fé.
Um vulcão em fúria
Explodindo meio mundo
Congelando o solo seco de cinza e fogo.
Girassóis hão de cobrir os campos
Irradiando sua beleza e luz
Até que o sonho de um sonho acabe
A lembrança que se esvai com o tempo.
Sou o que sou e o que posso ser
E o ser está sendo na vida
O ser é também aquilo que será.
Rafael Rossi







O sentido da vida

A vida é uma estrada de sonhos despedaçados
De flores mortas e promessas desfeitas
Ai, esperança desesperançada!
Que dilacera o peito nessas noites insones!
Que a morte cubra com o seu véu o luar
O doce luar que se esparrama pelo céu
E que ilumina a sinfonia de estrelas
Com luzes fortes e fracas, notas, tons e semitons.
Mil coisas, mil caminhos, mil bifurcações...
Duas vezes mil vezes um milhão
Que o nosso destino não seja o filho
Do Acaso com a Sorte!
Que tudo o que morra renasça
E germine nesta terra alagada
Que o solo de nossos corações não endureça
Nunca, pelas lágrimas que nos faltam
Que o choro preso na garganta
Seja para vós suficiente demonstração
De nossos sentimentos!
Que o medo que nos paralisa,
Esse frio na espinha,
Parta já daqui e me deixe quieto!
Ah, bela Madrugada, jamais se vá!
Ah, lindo Amanhã, quando chega?
Não vou rezar antes de dormir
Minha prece é o que faço
E se o meu fazer me define,
Não há lugar para Deus
No coração de um homem livre!
Coragem, não me abandone,
Não me negue sua força e seu abraço,
Fique comigo nas horas de desespero
E fira meus inimigos como uma adaga!
Aquele que vive com coragem não é um,
É uma legião!
Que os céus me ouçam,
Mesmo sem ninguém pra ouvir.
E se tudo nasce para que um dia se acabe,
Que não seja tudo em vão,
Que não seja sem propósito,
Que não seja ao acaso,
Que seja uma vida de significado!
Rafael Rossi







Tempo perdido


Quantas vezes emudeci,
quando devia falar?
Quantas vezes calei,
quando devia gritar?
Quantas vezes fui tímido e tolo
vendo o trem passar?
Quantas vezes tive medo
e me envergonhei?
Quantas vezes sonhei acordado
sem uma atitude tomar?
Quantas vezes duvidei
do que era capaz?
Quantas vezes abdiquei
de cumprir o meu papel?
Quantas vezes fugi
das minhas responsabilidades?
Quantas vezes jurei pra mim mesmo
tudo isso nunca mais repetir?
Quantas e quantas vezes
terei ainda disso escrever?
Rafael Rossi









Confissão em Terceira Pessoa


Ele era um sujeito átono.
Seu nome era de tal atonia,
que se perdia e não ecoava
nem no seu pequeno quarto.

Caminhando só na estrada,
não viu as placas;
não prestou atenção no que diziam
e foi perdendo os acentos diferenciais.

Um nome sem sílaba forte
é como uma imagem do cotidiano.
Passa despercebido.

Depois de mil anos e mil léguas,
andadas ou não, vividos ou não.
Foi então e somente então
que ele a achou.
Ele achou o porquê da acentuação:
era ela. Sim, era ela.
Das palavras a mais bela,
a mais doce, a mais sincera.
Era bem mais que um acento
ou um complemento nominal.

Hoje ele caminha
e ainda olha alguns sinais
e se encanta com sua tonicidade,
mas não há mais procura,
porque uma palavra forte é toda uma frase
e uma locução verbal é mais que uma oração
Rafael Rossi








Sons da madrugada


Ouça os sons da madrugada
Os que existem,
Os que existem e você não sabe,
Os que existem, você sabe, mas não vê,
E os que existem só em você.
Rafael Rossi







De como se perde a liberdade


Somos livres pra lutar por
Liberdade!
Somos livres pra lutar por
Decidir!
Somos livres pra deixar
Que eles decidam!
Que eles decidam se devemos
Decidir!
Decidir o que é bom, o que é seguro
Seguro...
Dentro de uma cela.
Seguro...
Como um animal na jaula.
Seguro...
Como um criminoso na prisão.
Seguro...
Como a segura vida de Ilusão!
Pobres daqueles que concedem poderes,
Porque quem concede tem poder,
Mas o Ignorante ainda não o sabe,
O Sem-Consciência não entende,
E reproduz a letra de um jogral!
Pobres deles... Pobres de nós!
Livres aqueles, seguros de nós,
Seguros de si, prisioneiros de ti.
Segurança-Histeria-Histeria-Segurança!
O caminho mais rápido
Para a Escravidão!
Mas... Silêncio!
Tudo cala; e se quem cala, consente...
Consinta; sinta; não minta.
Apodreça...
Na segurança do seu lar!

Rafael Rossi




Realidade e Sonho

Já pensou que sua vida era o sonho de alguém?
E se for, o que será do real, da realidade e o que é que tem?
A realidade é o que é real pra mim ou o que posso compreender?
É o que eu consigo descobrir ou o que não posso nem saber?
Já pensou se sua vida fosse o sonho de alguém?
E se ela é, o que será de nós e do que nos convém?
O que planejamos, o que sonhamos, de nada serviu?
E se eu descobrir que você é meu sonho também?
E o que eu quero e que nem sempre posso ter,
Será que eu consigo ter, se ao acaso nascer bem?
O destino existe e está traçado ao nascer?
Ou será que o fazemos no nosso próprio viver?
No nosso triste sofrer?
Seguir tudo o que o mestre mandar,
Seguir tudo o que o mestre mandar,
Seguir tudo o que o mestre mandar,
Não seguir nunca o que o mestre mandar,
Não seguir nunca o que o mestre mandar,
Não seguir nunca o que o mestre mandar,
Será que temos escolha, podemos optar?
Já pensou que sua vida fosse o sonho de alguém?
E se tudo o que toca não for nada além?
Já pensou que sua vida é o sonho que sonhou?
E se tudo é como sonho e quando sonho
E como sei quem acordou?
Como sabes que acordou?
Quando estou dormindo e quando estou acordado?
Se posso controlar o sonho e saber que estou sonhando,
E acordado sonho, mesmo ainda andando,
Como definir o que é o sonho e o que é a realidade?
Você já pensou alguma vez que sua vida fosse o sonho de alguém?
Você já sentiu frio, um calafrio, um assobio ao pé do ouvido,
De que a morte é o fim de tudo
E para onde vai sua consciência?
E tudo o que você viveu?
E pra quê viveu?
O que faz sentido?
E o que não faz?
O que fazer, se nascer é começar a morrer,
E se a morte não é o início de nada,
A não ser aos vermes, talvez para eles,
E a angústia que isso provoca
Em saber que tudo o que aprendeu e que viveu,
Que sorriu e que chorou e que tocou
Tudo vira pó, tudo já virou
E qual é o sentido disso tudo
A não ser o sentido que damos a isso tudo
O livro que escrevemos,
A estrada que corremos e percorremos e voltamos,
Pegamos o retorno, mas nada volta,
É só uma outra saída ou uma nova entrada
Depende de quem vem
E você já sonhou que sua vida era o sonho de alguém?
Já pensou que pensaram que tudo fosse sonho no sonho de alguém?
Já pensou que a vida é um piscar de olhos na eternidade?
E o que é eterno, o que é imortal?
E o que perece e o que renasce e se renova?
E o que renova já é o novo ou é o velho requentado?
E a volta que o mundo dá sob o mesmo eixo,
É sempre uma volta nova, em torno daquilo que retorna.
E você já pensou alguma vez que estivesse vivendo o sonho de alguém?
Rafael Rossi








Desertos de sal


Nesses tempos sombrios,
tudo o que triunfa é a morte.
Nesses dias de fúria,
toda esperança está num pouco de sorte.
Nesses anos de crise,
toda força é o inverso da coragem.
Nesses eventos convulsivos,
toda cólera se desfaz como miragem.

Rafael Rossi



Caminhos e Destinos

A morte é esquecimento
É fechar as cortinas do teatro
É encerrar este triste espetáculo
Morrer é como o apagar de uma estrela:
Um dia brilha e outro é tudo vácuo,
espaço, vazio, escuro e sozinho.
Viver é lutar contra o esquecimento
É a busca de um pouco da eternidade
Num filho, numa obra, na amizade
É a esperança na continuidade,
Na perpetuação de si mesmo
Pra além da morte, pra além da vida
Por que o sofrimento é parte da vida?
O sofrimento nos faz sentir a vida
O que é viver sem sofrer?
É morrer todo dia...
O valor da comida está na fome
E o valor da alegria está no sofrer
O valor da vida, que coisa sombria!
Está na morte, na dor, na casca da ferida!
Rafael Rossi

LETRAS DE MÚSICA - BANDA ESTADO INDEPENDENTE

PASSO AS TARDES A TE ESPERAR

Amanhã o dia vai correr depressa
Mas por hoje eu fico com a lentidão da véspera
E a angústia dos momentos que não chegam
Eu fico prisioneiro neste quarto apertado
Eu olho as grades das janelas e tento tocar o que há
lá fora
As paredes me sufocam
Sou prisioneiro de mim.
Hoje não quero ler um livro nem ver TV
O dia convida a sair
Eu ando de um lado pro outro e vejo o mundo girar
Procuro um rosto conhecido
Na esperança de encontrar um pedaço de mim
E eu espero te encontrar
Passo mais essa tarde a te esperar.
O sol se põe
As horas voam
E eu espero você chegar
Passo as tardes a te esperar
Espero mais uma tarde chegar



Metáforas

O sol sangra o horizonte ao que se estende
Num céu deserto e incomplacente
Vivendo um drama quase que vulgar
Num entardecer sem hora e nem lugar
E já não há mais metáforas pra lhe dizer que estou só
E já não há mais metáforas pra lhe dizer que estou só.
Já faz tempo que não reconheço
A cor do meu reflexo no espelho
As lágrimas mais amargas
São as que nascem do mais puro desespero
Mas tenho orgulho dos meus erros
Pois quando o sol morre, eu continuo inteiro
Mas tenho orgulho dos meus erros
Pois quando o sol morre, eu continuo inteiro.

Pâmela


HOJE EU ACORDEI MEIO DESLIGADO
E PROCURANDO POR ALGUÉM
TE ESPEREI POR TODA A VIDA
AGORA NÃO QUERO MAIS NINGUÉM

JÁ NÃO VIVO SEM TER VOCÊ POR PERTO
VOCÊ É A METADE QUE FALTAVA
TEU FOGO, AMOR, É O QUE ME AQUECE
E SEM VOCÊ NÃO HÁ MAIS NADA

VOCÊ TEM TODAS AS ARMAS PRA ME CONQUISTAR
VOCÊ TEM TODAS AS ARMAS QUE PODE USAR

EU VOU LUTAR
NÃO VOU DEIXAR VOCÊ SAIR DE MIM
NÃO VOU ME ENTREGAR
JÁ ENFRENTAMOS TUDO JUNTOS
NÃO É JUSTO DESISTIR.

Amor em poesia


Quando duas pessoas se perdem
Procurando se encontrar
Lembro dos momentos em que as palavras
Nada podem expressar
Os amantes se amam em poesia
No silêncio de um beijo que vale a vida
Como se nada mais fosse importante
Eu espero junto ao telefone
Pode demorar, mas vê se me liga
Porque eu não posso esperar
Para ouvir a sua voz.

Mas o que são as horas?
São minutos na eternidade
Quando estou contigo o tempo pára
Sem você estou só nessa cidade
Você é a minha coberta
É o meu calor.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

ARTIGO PARA PUBLICAÇÃO AS REVOLTAS DE ESCRAVOS NA ROMA ANTIGA E O SEU IMPACTO SOBRE A IDEOLOGIA E A POLÍTICA DA CLASSE DOMINANTE NOS SÉCULOS II A.C. A I D.C.: OS CASOS DA PRIMEIRA GUERRA SERVIL DA SICÍLIA E DA REVOLTA DE ESPÁRTACO

ARTIGO PARA PUBLICAÇÃO

AS REVOLTAS DE ESCRAVOS NA ROMA ANTIGA E O SEU IMPACTO SOBRE A IDEOLOGIA E A POLÍTICA DA CLASSE DOMINANTE NOS SÉCULOS II A.C. A I D.C.: OS CASOS DA PRIMEIRA GUERRA SERVIL DA SICÍLIA E DA REVOLTA DE ESPÁRTACO

   Rafael Alves Rossi


Abstract

            The focus of this study is the significance of the rebellions of slaves to the Roman society of the second century BC to AD in a crisis environment of the Roman Republic hatched revolts led by large groups of slaves who had guns, but who had the majority share of rural slaves of Ergastula, during a large influx of slaves for the Roman domains. In Sicily the First Servile War broke out, which was leading a household slave named Euno. Both this rebellion as in the famous revolt of Spartacus, the leaders of the movements were at the same time, political leaders, military and religious, religion fulfilling the role of a program, a factor of cohesion among the groups. The mobilization of former slaves reached its maximum level in these uprisings, impacting the master class, forced to revise some of their practices, regulating the relations between masters and slaves through the private state, especially in the regime of the Principality, which gave some social rights to the slave workers from Italy and the provinces. However, the greatest achievement of the rebel slaves was at the symbolic level. Thus, the idea of a natural inferiority of slaves was put in check, reflecting on the texts of the Roman intellectuals.

Keywords: ancient slavery, slave revolts, the Roman Republic, Revolt of Spartacus, Servile War in Sicily.




Resumo

O foco deste estudo é a importância das rebeliões de escravos para a sociedade romana do século II a.C a I d.C. Em um ambiente de crise da República Romana revoltas eclodiram lideradas por grandes grupos de escravos que tinham armas, mas que teve a participação majoritária de escravos rurais dos ergásulos, durante um grande afluxo de escravos para os domínios romanos. Na Sicília a Primeira Guerra Servil eclodiu, sendo conduzida por um escravo doméstico chamado Euno. Tanto nesta rebelião quanto na famosa revolta de Espártaco, os líderes dos movimentos eram, ao mesmo tempo, líderes políticos, militares e religiosos. A religião cumpra o o papel de um programa, sendo um fator de coesão entre os grupos. A mobilização dos ex-escravos atingiu seu nível máximo nestes levantes, impactando a classe senhorial, forçada a rever algumas de suas práticas, regulando as relações entre senhores e escravos através do Estado, especialmente no regime do Principado, que deu alguns direitos sociais para os trabalhadores escravos da Itália e das províncias. No entanto, a maior conquista dos escravos rebeldes estava no nível simbólico. Assim, a idéia de uma inferioridade natural dos escravos foi posta em cheque, refletindo sobre os textos dos intelectuais romanos.

Palavras-chave: Escravidão antiga, Revoltas de Escravos, República Romana, Revolta de Espártaco, Guerra Servil da Sicília


Preâmbulo

            O presente artigo é produto de uma pesquisa empreendida sobre as revoltas de escravos ocorridas em fins da República Romana e seu significado. Ele resume a dissertação de mestrado redigida recentemente sobre o tema e tenta dar conta de seus aspectos centrais, bem como divulgar o estudo realizado para provocar o debate.
            A hipótese central desta pesquisa é que, apesar de terem sido derrotadas militarmente, as grandes revoltas servis da Roma antiga serviram para pôr em xeque a teoria da escravidão natural, a visão do escravo como simples animal ou coisa, representada no discurso oficial e a própria afirmação da inferioridade dos escravos presente no discurso de intelectuais da aristocracia romana como Catão, que já relativizava a posição mais rígida da teoria aristotélica, provocando mudanças no discurso da classe dominante e na sua forma de perceber os escravos, produzindo uma fissura no plano ideológico, o que pode ser constatado nos textos que analisamos de Diodoro, Plutarco e Apiano, tratando-se, pela primeira vez, da afirmação patente da humanidade dos escravos que lutaram na Primeira Revolta de Escravos da Sicília, comandada pelo escravo doméstico Euno, e na Revolta de Espártaco, iniciada pelos gladiadores da escola de Lêntulo Baciato em Cápua, no Sul da Itália. Nos escritos desses autores, a capacidade de organização dos escravos rebeldes, que formaram exércitos e derrotaram o exército romano e seus generais em muitas batalhas, e a coragem em combate demonstrada pelos rebeldes sicilianos e espartacanos aparecem em muitas passagens e transparece nos textos dos ideólogos da aristocracia romana o reconhecimento dessas qualidades morais junto com a tentativa de reafirmar a suposta inferioridade natural dos escravos, que entrava agora em contradição com os fatos da política e da guerra, com a manifestação do talento, da inteligência e da bravura dos servos de Roma na cena pública. Desse modo, podemos concluir que os escravos do império romano obtiveram uma importante vitória simbólica que reverberou pelos séculos.
            A análise dos textos de Diodoro, Plutarco, Apiano, Catão, Aristóteles e Sêneca é enriquecida pelo uso do método comparativo, tentando traçar paralelos entre as revoltas de Euno e de Espártaco entre si e dessas revoltas de escravos antigos com aquelas ocorridas nos Tempos Modernos, percebendo os pontos de interseção entre a escravidão antiga e a escravidão moderna e suas diferenças para situar o problema da impossibilidade de um verdadeiro movimento revolucionário abolicionista na Antiguidade, localizando as oportunidades surgidas da janela histórica que se abriu com a crise do regime republicano romano e os futuros possíveis contidos naquele passado, as alternativas históricas reais. O método estruturalista genético também aparece como um instrumento importante na análise, relacionando os textos dos autores individuais com a sua consciência de classe e o seu compromisso social, bem como com a ideologia de classe do grupo social ao qual pertenciam, percebendo as ambigüidades que se manifestaram de forma mais ou menos aguda dependendo do autor ou do contexto político e social em que o texto foi escrito. A ferramenta teórica que norteia a pesquisa é o marxismo, com suas contribuições possíveis e necessárias a esse debate.

Guerras Civis e Guerras Servis: o Mundo Romano dos séculos II e I a.C.

            Nos séculos II e I a.C. modificações profundas no interior da sociedade romana provocaram abalos severos na superfície. As transformações pelas quais passou o modo de produção escravista em Roma acentuaram as contradições daquela sociedade. O período das guerras civis coincide nas datas com as maiores revoltas de escravos ocorridas na República romana.
A Primeira Revolta de Escravos da Sicília se deu em 135 a.C. A revolta ainda estava em curso (durou de 135 a 132 a.C.) quando estourou o conflito entre Tibério Graco, o tribuno da plebe, e a oligarquia senatorial, em 133 a.C. A guerra servil influenciou a proposição urgente de uma reforma agrária no império. De 133 a 129 a.C. ocorreu a revolta de Aristônico, na Ásia Menor, outra revolta de grandes dimensões com protagonismo dos escravos. Seu início se dá paralelamente ao conflito envolvendo Tibério Graco. Desse modo, este que foi um dos momentos de luta mais intensa e feroz entre as facções da classe dominante foi acompanhado de duas rebeliões servis. A relação entre as guerras civis e as guerras servis parece evidente, se analisarmos o texto de Apiano acerca da luta entre Tibério Graco e a oligarquia senatorial e o novo panorama social, com escravos ocupando os postos de trabalho de camponeses livres e se insurgindo contra Roma, estando a proposta de reforma agrária de Graco em estreita relação com o movimento de rebeliões servis:
(...) o recente descalabro sofrido na Sicília por estes nas mãos de seus escravos por ter aumentado o número de servos pelas exigências da agricultura (...) a guerra sustentada pelos romanos contra eles (os escravos), que não era fácil, mas sim muito prolongada em sua duração e envolvendo diversos tipos de perigos. (...)” (APIANO, Guerras Civis, I, 9)
O tribunato de Caio Graco deu-se em 123-122 a.C., quando ocorreu uma nova luta acirrada por reforma agrária e a proposta de mudanças no regime republicano com a participação de outras camadas sociais de forma mais ativa e efetiva da vida política, como o direito de os eqüestres ocuparem os postos de jurados, privilégio reservado anteriormente aos senadores, e o direito de cidadania romana aos latinos e a concessão dos privilégios dos aliados latinos aos demais aliados itálicos. O irmão de Tibério Graco apontava também para uma redistribuição da riqueza social de Roma com as concessões feitas ao proletariado urbano como “a distribuição regular de cereais por metade do preço a que eram cotados no mercado” (BLOCH, 1956, p. 160). Leon Bloch destaca este fato porque antes da lei de Caio Graco esta era uma medida excepcional aplicada nas épocas de maior carestia. O caráter ordinário desta medida garantia aos proletarii a sua parte no saque às terras estrangeiras promovido pelo exército romano. A radicalização das disputas políticas e envolvimento de cada vez mais segmentos da sociedade nestas lutas, criava condições para uma nova onda de revoltas escravas. Ao mesmo tempo, o programa de reformas dos Graco poderia ter contido o avanço desenfreado da produção escravista. Além disso, representaria uma democratização do Estado, combatendo os privilégios políticos, econômicos e sociais, mais do que o fortalecimento do poder unipessoal na figura dos tribunos, como queriam fazer supor os seus adversários. Mas a nobilitas não podia fazer concessões ao povo em termos de participação política e defesa de um Estado camponês romano. A nova aristocracia romana, nascida da fusão da velha aristocracia patrícia com os plebeus ricos, da luta entre patrícios e plebeus, e senhora de todo o mundo mediterrânico e não apenas de uma cidade-Estado, passara a se sustentar do sangue e suor dos milhares de escravos trazidos de outros países como prisioneiros de guerra e da exploração das províncias, nascida das guerras contra Cartago, quando fez sua primeira província, a Sicília. A nobilitas patrício-plebéia era uma aristocracia ainda mais belicista e imperialista, governante de um império de estrutura bastante complexa e que contava com uma intensa circulação de mercadorias e uma administração crescentemente sofisticada. Uma oligarquia composta pelos ricos e proprietários das duas antigas ordens explorava agora todos os recursos do império em seu benefício e relegavam para segundo plano as necessidades de homens livres e pobres na novaRoma. No contexto do século II a.C. o Senado da República servia para salvaguardar as posições conquistadas nas relações internacionais e no âmbito interno pela nobreza senatorial. Partindo de uma posição mais segura no plano externo, com a destruição de Cartago e de Corinto em 146 a.C., a ocupação da Grécia e da Península Ibérica, na sua maior parte, e a transformação da Macedônia, em 148 a.C., da África, em 146 a.C., e de territórios da Ásia, em 133 a.C., em províncias romanas; e de privilégios sociais, advindos de sua nova situação econômica, com a apropriação do ager publicus pelos possessores ricos em detrimento dos romanos, latinos e italianos mais pobres, diante do desrespeito a uma lei agrária que proibia a ocupação de mais de 125 hectares de ager publicus, pelo menos desde 167 a.C., quando os grandes proprietários passam a tratar de maneira sistemática o ager publicus como propriedade privada, fazendo com que nos trinta anos de não aplicação efetiva desta lei até a tentativa de Tibério Graco de limitação legal da ocupação do ager publicus por particulares se consolidasse uma consciência e um sentimento de classe que impediam que a aristocracia romana fosse capaz de ceder às propostas reformistas. O trauma gerado pelo assassinato de Tibério levou a que os senadores buscassem respaldo legal na execução de Caio Graco e de seus seguidores. Sendo assim, a resposta do Senado à agitação política do movimento reformista foi o senatus consultum ultimum:
“Procurando conter e anular a atuação de Tibério e Caio Graco, o único recurso do Senado foi declarar a República em perigo e autorizar os cônsules a utilizarem o exército para restabelecer a ordem na cidade. O Senado criava, então, uma nova arma: o senatus consultum ultimum, ressurreição da antiga ditadura, ou melhor, um golpe de Estado que legalizava o assassinato de cidadãos comuns. Daí em diante, a violência não se desligou mais da vida política de Roma.” (MENDES, 1988, p. 63)
 Novos confrontos políticos, agora entre facções políticas delimitadas e organizadas, marcando a divisão da classe dominante por grupos de interesses e base social, os optimates e os populares, aconteceram no período de 103 a 100 a.C. Segundo Norma Musco Mendes, os Populares eram aqueles que “através de programas de reformas buscavam o apoio do povo” e os Ótimos (Optimates) eram os que tinham como objetivo central “manter ou restaurar o poder do Senado, associando a existência de um Senado poderoso à manutenção da liberdade republicana” (MENDES, 1988, p. 63-64). Estas duas facções surgiram como conseqüência direta do assassinato dos irmãos Graco pela nobreza senatorial. Um grupo de adeptos tornou-se o continuador do trabalho dos reformadores, tendo tomado o nome de populares ou defensores do povo e as medidas propostas por Caio Graco serviram de base para o programa da recém-surgida facção popular e em reação a este novo movimento organizado dos reformistas, a facção senatorial passou a autodenominar-se os optimates. Um dos maiores expoentes da facção popular foi Caio Mário. Foi durante o seu consulado que Roma teve de enfrentar uma nova rebelião escrava de grandes proporções também na ilha da Sicília, a Segunda Guerra Servil, que durou de 104 a 101 a.C. Mário, que foi eleito pela primeira vez cônsul em 107 a.C., após ter se destacado na campanha da Numídia na guerra contra Jugurta, era umhomo novus e se notabilizou como um dos maiores generais e cônsules da história da república romana. Ele foi reeleito três vezes consecutivas, de 104 a 102 a.C., ocupando a mais alta magistratura romana durante a guerra servil. Ele foi eleito cônsul em 100 a.C. pela sexta vez. O período dos seus consulados e da Segunda Revolta de Escravos da Sicília foi marcado por guerras externas. Entre 111 e 105 a.C. Roma travou a guerra contra Jugurta e entre 113 e 101 a.C. a guerra contra os cimbros e teutões. Ao defender a Itália contra a invasão dos cimbros e teutões no ano de 102 a.C., Caio Mário teve um enorme reconhecimento popular, tendo sido conferido a ele o cognome de “terceiro fundador de Roma”, sendo os outros dois o lendário Rômulo, fundador de Roma, e Marco Fúlio Camilo, o destruidor de Veios (396 a.C.), que reconstruiu Roma depois da invasão dos gauleses (387-386 a.C.). Foi durante a guerra com os cimbros que Mário realizou a reforma do exército que permitiu que os proletários sem bens (capite censi) fizessem parte do exército romano, sendo equipados pelo Estado. Foi nessa conjuntura que combinou uma das mais graves guerras externas da história de Roma e uma das mais importantes revoltas de escravos (104-101 a.C.) que se constituiu o exército profissional no lugar do exército de camponeses-cidadãos-soldados, base material da República romana, sendo a nova força militar também uma nova e decisiva força política.
Podemos notar que coincidem os levantes com os momentos de dissidências no seio da classe dominante. É importante ainda observar que algumas das maiores mudanças no curso do desenvolvimento histórico da sociedade romana e no âmbito do Estado se deram em conjunturas que englobavam essas grandes revoltas de escravos. A ditadura de Sila foi no período de 82 a 79 a.C. e estabeleceu uma Constituição aristocrática, representando um retrocesso nas conquistas sociais e políticas da plebe. O poder e o prestígio do Senado foram restaurados por Sila. A facção popular foi perseguida e os ex-tribunos não podiam mais concorrer às mais altas magistraturas. Foi instituída por ele a medida da “proscrição” e listas de vítimas eram divulgadas e seus adversários políticos eram assassinados sem qualquer julgamento, inquérito e prova de culpa. Este foi o ambiente político e social em que se desenrolou a revolta de Espártaco, isto é, na vigência da Constituição de Sila e da hegemonia política da oligarquia senatorial. De 73 a 71 a.C. aconteceu a maior rebelião servil da Antiguidade clássica. A dissolução do sistema constitucional de Sila data de 70 a.C., um ano após o esmagamento do exército espartacano. Foram Pompeu e Crasso, dois antigos partidários de Sila, que enterraram sua Constituição em nome de seus interesses pessoais, pelo direito de serem eleitos cônsules sem permanecerem na cidade, mantendo seus exércitos e suas províncias conquistadas. Estes dois personagens tiveram um papel destacado na repressão ao movimento espartacano, em especial Crasso.

Roma, o Império do Mediterrâneo: escravidão-mercadoria, exército profissional e Revolução Passiva

Todo o esplendor de Roma deve-se não só ao grau atingido pela amplitude e importância das relações sociais escravistas, mas também à expropriação dos camponeses. As lutas sociais em Roma, protagonizadas principalmente pelos homens livres, influenciaram e determinaram as modificações ocorridas no mundo do trabalho e, mais precisamente, nas relações de produção fundamentais daquela sociedade. A escravidão em larga escala marcou o fim da escravatura arcaica. A disseminação da escravidão-mercadoria rompia os antigos laços, desestruturando e desfazendo as antigas relações sociais. Géza Alfoldy aponta para as transformações ocorridas a partir da Segunda Guerra Púnica. Na verdade, a entrada de uma enorme massa de cativos serviu apenas para acelerar um processo já em curso. A aprovação da Lei Petélia Papíria, que proibia a escravização por dívidas de cidadãos da república romana, já apontava para a desagregação completa da antiga forma de escravidão. As tendências que se desenvolviam tornaram-se assim uma realidade incontornável com verdadeiros exércitos de homens escravizados, trazidos do estrangeiro como prisioneiros de guerra. Essas transformações radicais foram a base das rebeliões servis e, em larga medida, das modificações no governo e no Estado romanos.
            As mudanças processadas no aparato político-administrativo de Roma relacionavam-se com a consolidação de elementos que estabeleciam um domínio oligárquico, de homens ricos e possuidores de terras, membros da aristocracia ou não, com muitos libertos grandes proprietários de terras, mas com um inegável predomínio da nobreza senatorial no que se refere à condução dos negócios de Estado e direcionamento da máquina pública para a consecução de seus interesses e objetivos. As guerras romanas cumpriram um papel não só na formação do império, como também na desagregação da antiga ordem política e social. O período imediatamente posterior às Guerras Púnicas foi marcado por uma intensificação das lutas sociais. A luta política assumiu novos contornos, com o estabelecimento da uilla escravista como padrão agrário dominante, com a predominância da mão-de-obra escrava e sua centralidade na determinação do status social, do poder político e econômico entre os cidadãos romanos e na produção da riqueza social e reprodução do modo de vida da classe dominante romana. Além disso, a transformação posterior do exército romano de uma milícia de camponeses-cidadãos em um verdadeiro exército profissional, convocando-se o proletariado às armas com o pagamento de salários e a promessa de recompensa em terras quando o período de serviço militar expirasse, foi decisiva para a agudização das lutas políticas, convertidas agora em batalhas entre generais aspirantes ao poder, buscando conquistá-lo mais pela força das armas do que pelas armas da política. As tropas leais aos generais e não mais à República eram atores políticos importantes num cenário de conflitos sociais que envolviam as classes sociais subalternas como massa de manobra dos aristocratas na luta pelo poder em meio às disputas intestinas entre as distintas facções políticas da classe dominante. As razões econômicas dessa crise política também são abordadas por Alfoldy:
“(...) Roma havia-se tornado uma potência mundial, cujas estrutura econômica e ordem social estavam agora sujeitas a uma multiplicidade de fatores até aí desconhecida. Ao mesmo tempo, esta rápida mudança lançou Roma numa crise social e política que em apenas duas gerações após a derrota de Aníbal levou à eclosão de conflitos sem precedentes.”
“As novas condições derivavam em parte das consequências diretas da segunda guerra púnica: a decadência e a proletarização do campesinato itálico, a formação de grandes propriedades fundiárias e a utilização em grande escala dos escravos na produção. (...)”   (ALFOLDY, 1989, p. 57)        
            A crise política e social crônica de fins da República só teve solução com o projeto cesarista de governo. Este representou um projeto conservador, corporificado na aliança forjada entre o César, o Senado e o Exército, com o respaldo das massas. Esta aliança conservadora e a afirmação desta alternativa societária reconfiguraram o aparato político-administrativo para ajustá-lo às novas necessidades do império mediterrânico e do sistema social baseado na elevada concentração fundiária e na escravidão-mercadoria empregada em larga escala como modelo econômico e social hegemônico. O caminho para uma progressiva democratização do Estado, com o restabelecimento do campesinato-cidadão como o exército da República e a extensão dos direitos de cidadania aos itálicos, não apenas num sentido formal, mas como base política e militar da República, foi suplantado pela solução monárquica. Aldo Schiavone levanta a hipótese de que a desagregação do velho bloco aristocrático que comandara a expansão romana sobre o Mediterrâneo abriu o caminho para esta “revolução municipal” que poderia dar à luz a um novo “Estado municipal itálico”, com um projeto de organização romano-itálica no centro do império, resultando na plena integração das municipalidades itálicas. A nobreza senatorial, no entanto, não conseguia ver a si mesma como dirigente de um novo Estado municipal itálico, entrincheirando-se na defesa dos seus privilégios. Na medida em que não existiam forças políticas e sociais homogêneas, coesas e consistentes o suficiente para se opor seriamente ao projeto aristocrático, acabou prevalecendo como alternativa para a crise da República um projeto de “revolução passiva”:
“A genialidade da solução de Augusto consistiu em transformar paradoxalmente as próprias fragilidades das alternativas em pontos de força da estratégia adotada. Se não havia fôlego para um projeto de reformas ancorado em novos protagonistas sociais, exteriores ao bloco aristocrático, o único caminho possível era promover e organizar uma sábia “revolução passiva” dos velhos grupos dirigentes.” (SCHIAVONE, 2005, p. 268)
            O nascimento do regime dos Césares pode ser datado tanto a partir do governo de Júlio César, de Otávio, futuro imperador Augusto, e até mesmo de Pompeu, havendo em seu governo diversos empreendimentos que poderiam ser considerados precursores do evergetismo dos projetos imperiais, como a construção de teatros e templos. Porém, Beard e Crawford alertam para a mudança fundamental ocorrida como Júlio César: aqui o modelo de regime cesarista aparecia de forma plena e acabada, mas não havia ainda condições de exercer um poder autocrático que dispensasse as tradições republicanas. César avançou rápido demais no projeto monárquico: “Ele era como um rei; e foi por isso que ele foi assassinado” (BEARD; CRAWFORD, 1985, p. 86). Otávio foi capaz de enxergar isso e chegar a um compromisso político com a nobreza senatorial para ser aceito como seu príncipe. Desse modo, o regime imperial, pelo menos durante os primeiros reinados, não consistiu num regime autocrático simplesmente, com a exclusão da oligarquia reunida no Senado das decisões políticas. Fábio Duarte Joly atenta para o fato de que “o Senado reconhecia oficialmente o imperador que ascendia ao poder e, quando a transição entre reinados acontecia de forma pacífica, os senadores votavam pela divinização do imperador precedente.”(JOLY, 2005, p. 46).


As grandes rebeliões servis e a crise do paradigma escravista republicano

            Um dos maiores ideólogos representantes daquilo que chamaremos deparadigma escravista republicano foi Catão. Ao contrário dos escritores do período do Principado, durante o período republicano tanto o tratamento conferido na prática aos escravos quanto o discurso ideológico – mesmo havendo exceções – partia da premissa de que o escravo era semelhante a um animal e sua única função, a única razão de sua existência, era proporcionar lucro e bem-estar ao seu amo. Catão era o porta-voz desta tendência dominante na República. O escravo era, para ele, antes de mais nada, uma propriedade; e um instrumento de produção destinado a retirar do solo a riqueza do proprietário rural. Na passagem a seguir, temos uma boa síntese desta concepção do escravo como mera mercadoria:
“O senhor (pater familias)...quando for informado, deve fazer as contas dos trabalhos e das diárias; se o trabalho não aparece, se o capataz diz que fez o melhor possível, mas os escravos estiveram doentes, fez mau tempo, que alguns escravos fugiram, que fez trabalho obrigatório para o Estado, quando tiver dito todas estas coisas, faça-o voltar às contas dos trabalhos e das diárias... Quando tiver sabido, corretamente, o que deve ainda ser feito, mande-as fazer, checar as contas de prata e trigo e do que foi preparado como forragem, as contas do vinho e do azeite, o que se vendeu, do que se obteve, do que sobrou, do que há ainda à venda, que os empréstimos feitos sejam cobrados; o que sobrou deve ser mostrado; se falta qualquer coisa, compre; se sobrou, venda; os trabalhos a serem arrendados devem ser arrendados; deve deixar por escrito quais trabalhos devem ser feitos por locação e quais não. Examine o gado, faça um leilão: venda o azeite, se o preço for bom, vinho, o trigo que sobrou, os bois velhos, gado em mau estado, lã, couro, carro velho, ferramentas velhas, os escravos velhos ou doentes e tudo o que sobrar, venda; o senhor deve ser um vendedor e não um comprador.”(CATÃO, De Agri Cultura, 2, I-7)
            Em primeiro lugar, fica claro que para Catão, em última instância, a responsabilidade pela prosperidade dos negócios é do próprio proprietário. Cabe a ele verificar cada trabalho executado ou que deixou de ser executado. Na prática, quem conduzia os trabalhadores à plantação, os punia diante das faltas e garantia o sucesso da produção era o capataz, o vilicus, que devia, por sua vez, ser vigiado e disciplinado pelo senhor. O proprietário devia fiscalizar o trabalho do capataz e o mesmo devia obediência ao seu amo. O vilicus devia prestar contas quanto à sua tarefa de supervisão da fazenda e dos demais escravos. Quanto aos escravos que trabalhavam diretamente na produção, o proprietário devia encará-los como simples mercadorias. No fragmento, vemos um conjunto de propriedades, de produtos, de mercadorias, e dentre elas os escravos. Os escravos aparecem ao lado de diversas outras coisas que podiam (e deviam) ser vendidas, como o azeite, o vinho, o trigo, o gado, as ferramentas, a lã, o couro e tudo mais que podia ser comercializado. Eles eram, assim, parte de um conjunto de coisas que só existiam para dar lucro ao proprietário. Além disso, os escravos são comparados, no texto, às ferramentas e ao gado. Os escravos velhos vinham logo depois das ferramentas velhas e assim como os bois velhos e o gado em mau estado deviam ser descartados. Os escravos velhos eram como os bois e ferramentas velhas e os escravos doentes eram como o gado em mau estado. Catão exprimia como uma parcela importante da aristocracia romana do período republicano enxergava os seres humanos escravizados que tinham sob o seu domínio.
            Neste artigo, tomamos de empréstimo os conceitos elaborados por João José Reis acerca das fugas-rompimento que manifestaram o “não quero” dos escravos, a sua inconformidade com o cativeiro, e que o simples fato de se rebelarem já evidenciava uma ruptura com o paradigma ideológico existente, mesmo que parcial, mas sempre forçando a uma reelaboração teórica ou a um aumento da repressão como mecanismo de controle social; neste caso, tal como Reis chamou de paradigma ideológico colonial aos valores da sociedade escravista brasileira que funcionavam como o principal mecanismo dificultador das fugas e das revoltas (REIS, 2009, p. 66), chamaremos de paradigma ideológico republicano ou paradigma escravista republicano os valores da Roma republicana e sua crítica também foi feita na prática social pelas rebeliões que eclodiram nos últimos séculos da República. Rebeliões como a revolta de Espártaco, uma fuga insurrecional, implicaram em sérios danos à economia italiana e uma contestação prática da ideologia escravista, representando um duro golpe no paradigma escravista republicano e no discurso acerca da inferioridade dos escravos, sendo a referida construção teórica posta em xeque, refutada de maneira patente pelos eventos inigualáveis de uma conjuntura extraordinária que foi a da crise do regime republicano. A excepcionalidade dessas revoltas escravas pode ser explicada pelos fatores limitadores estruturais e conjunturais para a sua ocorrência, havendo levantes de escravos sempre que a oportunidade surgia, evidenciando que não existia um controle ideológico absoluto dos servos e nem o seu consentimento. Nas relações particulares, privadas, entre um determinado senhor e um determinado servo possivelmente devia ser percebido que os escravos não eram naturalmente inferiores, bem como constatada a sua humanidade, mas não no discurso oficial e público. No entanto, isto mudaria com as grandes insurreições escravas que foram de tal monta que produziram mudanças na política social da classe dominante para as classes subalternas e condicionaram o desenvolvimento ulterior do modo de produção escravista, com novos mecanismos de regulação e o arbitramento do Estado nas relações sociais. Essas grandes revoltas de escravos tiveram também uma influência importante sobre o fim da República e o advento do Principado, senão de maneira direta e decisiva, pelo menos de uma maneira indireta, como forma de contenção daqueles que eram a principal força produtiva da economia romana. Desse modo, a mobilização política dos escravos, a manifestação de sua humanidade na cena pública, não pôde ser ignorada nem ocultada. Intelectuais orgânicos da classe dominante romana como Plutarco deixaram escapar vez ou outra os elementos que permitem a crítica do paradigma escravista republicano:
“Esta foi a mais dura batalha de todas. Ele (Crasso) matou doze mil e trezentos, e apenas dois deles foram encontrados com ferimentos nas costas: todos os outros ficaram firmes em seus postos e morreram combatendo os romanos.”(PLUTARCO, Crasso, Ch. 11.3)
            É, portanto, da pena de Plutarco que nasce a possibilidade de crítica ao discurso escravista, pelo menos na sua forma mais rígida. O fato dos escravos rebeldes terem lutado com uma incontestável coragem e mesmo destemor nesta batalha contra o general Crasso, partindo a resistência de um grupo isolado, que havia rompido com o exército espartacano, mas que continuava a saquear os campos itálicos e a afrontar a ordem social romana, torna impossível para o autor negar o valor dos combatentes das tropas rebeldes. O próprio Plutarco afirma que apenas dois de mais de doze mil e trezentos tentaram fugir, permanecendo os demais em seus postos, lutando bravamente, atitude que se esperaria de um soldado romano, de um homem livre, mas nunca de um escravo. Esta era uma prova de que a realidade objetiva e a ideologia da classe dominante divergiam uma da outra de tal modo que até os senhores escravistas podiam duvidar de suas crenças mais firmemente alicerçadas e profundamente enraizadas em seu espírito, provocando fissuras no discurso oficial e sua consequente reformulação. Tornava-se necessário reinventar o discurso dominante, reciclá-lo e reafirmar os princípios e pressupostos da nobilitas com base em outros instrumentos mentais e categorias teóricas mais eficazes e lógicas nesta nova situação aberta.

O regime do Principado nos séculos I a.C. e I d.C.: o consenso aristocrático e os novos mecanismos de dominação político-ideológica

            O consenso aristocrático tomou forma no regime monárquico. A tendência exclusivista da oligarquia senatorial romana prevaleceu, tendo a nobreza senatorial, porém, de ceder o monopólio do poder político e depositar na figura do César a autoridade que antes era sua. Esta alternativa era a que melhor preservava os privilégios sociais conquistados pela nobilitas e promovia o ajuste perfeito das instituições políticas às condições econômicas vigentes. As convulsões políticas e sociais dos séculos II e I a.C. tiveram fim com o Principado de Augusto. Araújo destaca os elementos que conduziram ao advento do Principado, como a forma político-jurídica capaz de atender aos reclamos dos variados grupos sociais:
“A revolta de escravos liderada por Espártaco e a Guerra Social sinalizaram para as classes dominantes que o sistema escravista e, inclusive, as relações com outros segmentos sociais – os italianos, os homens livres e pobres – deveria, para ser mantido, sofrer alguns ajustes: os populares deveriam receber mais atenção a seus reclamos, daí a política imperial de “panis et circenses”; os escravos deveriam ser mais controlados, cerceados em seus movimentos, de modo a evitar revoltas, mas, por outro lado, a sanha dos senhores deveria ser coibida pelo Estado para que não houvesse exacerbação de ânimos e, consequentemente, rebeliões; os italianos deveriam ter suas reivindicações atendidas, e serem integrados, e foram atendidos antes mesmo do Principado. (...) (ARAÚJO, 1999, p.206)
            Em outra passagem pode ser percebida de maneira ainda mais clara a relação entre os movimentos de rebelião armada das classes subalternas e a criação de um Estado árbitro das relações sociais e dos conflitos políticos e sociais, desempenhando um papel importante no surgimento do regime cesarista:
“(...) o Império foi uma ditadura militar organizada para trazer ordem e pacificação sociais. (...). Quanto aos escravos, os imperadores, inclusive Augusto, deram-se conta do perigo representado por estes, tanto pelo seu número expressivo, quanto no que tange às revoltas do período republicano. Tentou-se evitar, portanto, que houvesse exacerbação do tratamento conferido aos servos, editando os imperadores, uma série de leis contendo e proibindo abusos e castigos excessivos dos escravos pelos senhores” (ARAÚJO, 1999, pp.160-161)
            O impacto dessas revoltas na vida romana pode ser notado pela legislação aprovada no período do regime imperial que regulava as relações entre amos e servos. O imperador Adriano aprovou uma série de leis que favoreciam os escravos, como a restrição do uso da tortura para extrair informações dos escravos, a proibição da venda de um escravo, sem razão, para uma escola de gladiadores ou para um bordel e foi ainda com Adriano que os ergástulos, as prisões dos escravos, foram abolidos (MASSEY; MORELAND, 1978, p. 56).
            A nova máquina estatal funcionava como um mecanismo político-ideológico de dominação social e de estabilização política da sociedade romana.  A monarquia militar surgida da crise republicana apresentou também um novo discurso ideológico. O controle das forças armadas era fundamental para o exercício efetivo do poder e era a peça essencial no jogo político. No entanto, sem um novo discurso que refletisse a nova conjuntura social, dificilmente seria possível estabelecer este novo domínio em bases sólidas. O estoicismo foi uma das vertentes filosóficas que funcionaram como parte desse mecanismo de dominação político-ideológica do regime imperial. O reconhecimento da humanidade dos escravos era parte integrante desse discurso, que se popularizou bastante no século I d.C., durante o Alto Império. É impossível desconsiderar o peso das grandes revoltas servis do período republicano na constituição de um novo paradigma sobre a escravidão, que pode ser constatado nos escritos de Sêneca:
“Eles são escravos”, as pessoas declaram. Não, eles são homens. “Escravos”. Não, eles são despretensiosos amigos. “Escravos”. Não, eles são seus camaradas-escravos, se refletir que a fortuna tem direitos iguais tanto sobre escravos como sobre homens livres.” (Sêneca, Epistulae 47.I, IO (cf.17)
            É importante salientar que a monarquia militar ensaiada por Júlio César e inaugurada por Augusto não foi a única alternativa histórica. Na verdade, afirmou-se a partir da derrota de todas as outras. Schiavone e Mendes apresentam possibilidades que existiram no horizonte da encruzilhada histórica dos séculos II e I a.C. A cada caminho traçado uma nova bifurcação surgia, quando ainda havia uma janela de oportunidade, num momento singular e de criatividade da história que apresentava tendências e contra-tendências que se desenvolviam, mas que nenhuma delas ainda havia se tornado inevitável. Para Mendes: “A violenta reação senatorial, os assassinatos de Tibério e Caio e o fracasso dos objetivos que nortearam as Leis Semprônias demonstraram a impossibilidade de reconstrução das bases do Estado camponês romano, destruídas pela nova posição cosmopolita de Roma” (MENDES, 1988, p. 63). Desse modo, nunca foi possível fazer retroceder o tempo, retornando às velhas formas políticas e sociais, como pretendiam os Gracos, mas alternativas possíveis não foram tentadas, no máximo pensadas por intelectuais como Cícero, de acordo com Aldo Schiavone. Então, entre o possível não pensado e o improvável pretendido, consolidou-se o projeto que contava com os atores políticos mais homogêneos e decididos para implementá-lo. E assim conclui Schiavone: “No lugar de uma reviravolta municipal capaz de levar a cabo os resultados itálicos da romanização, a crise do século I conduziu, com Augusto, a uma grandiosa estabilização neoaristocrática (...)”(SCHIAVONE, 2005, p. 264).

Revolução Política e Fuga Coletiva Insurrecional: as revoltas de Euno e de Espártaco

            A História contada do ponto de vista dos de baixo é sempre mais difícil. De muitas maneiras. Em primeiro lugar, sendo as fontes da Antiguidade tendo sido produzidas, invariavelmente, pelos membros da classe dominante, um relato e uma análise que parta do ponto de vista dos escravos rebeldes é um enorme desafio. O discurso dos oprimidos deve ser reconstruído a partir dos textos de seus senhores e dos ideólogos do regime escravista, buscado nas brechas do discurso da classe dominante a voz dos vencidos, nas imagens projetadas, mas também nas sombras e nos silêncios. Precisamos ir muito além de uma história que seja um monumento em homenagem e em honra dos grandes homens; de uma história de grandes feitos e de grandes conquistas; é uma história de derrotas e de anônimos; e precisamos cavar os túmulos sem lápide desses anônimos que desafiaram os limites de seu tempo e se rebelaram contra o destino, retratando esta marcha de desvalidos, este movimento de corpos e de mentes rumo a territórios desconhecidos. Esta não é uma história de elementos inertes, de peças de museu e realidades fixas e imutáveis. Partimos de uma perspectiva da história como um campo de possibilidades. Pretendemos interpretar este momento do passado com imaginação e lógica. Refazendo os passos dos homens de carne, osso e sangue que protagonizaram esta batalha épica entre escravidão e liberdade. O chão em brasa por onde marcharam os Crasso, Euno e Espártaco é o palco desta tragédia, o solo da Itália e da província da Sicília, nas vastas terras do grandes Império do Mediterrâneo. Já enfatizamos o lugar destas revoltas no processo que levou ao surgimento do regime do Principado. Destacamos também a sua importância na crítica ao paradigma escravista republicano. Necessitamos agora ir mais longe. Articulando a interpretação das fontes acerca destas rebeliões com os conceitos marxistas, utilizados neste trabalho como chave de análise, percebemos em profundidade o que representaram estes acontecimentos, desvelando ao mesmo tempo o conteúdo social real das obras sobre as revoltas servis e seu significado histórico a partir de uma perspectiva mais ampla, sem, com isso, abrir mão de uma análise objetiva da realidade concreta.
            Sendo assim, parece mais interessante e até mesmo prudente partirmos do que não foram estas revoltas. Na historiografia soviética, de inspiração stalinista, as revoltas de escravos, em especial a revolta de Espártaco, aparecem como verdadeiras revoluções contra o sistema escravista, sendo a causa da queda do Império Romano uma revolução de escravos, camponeses e invasores germanos, no século V d.C., tendo sido a primeira fase desse processo, que ficou conhecido como “a revolução em duas fases”, justamente a revolta dos escravos espartacanos. Desse modo, Roma teve sua derrocada pela via revolucionária, tendo os escravos antigos como protagonistas dessa revolução (ARAÚJO, 1999, pp. 234-235). Em historiadores como Misulin a interpretação histórica estava bastante impregnada de conteúdo político-ideológico. A sua análise dava justificação teórica ao combate empreendido pela maioria da direção do PCUS aos seus opositores. Assim, Espártaco teria sido o verdadeiro “líder do proletariado” e o “Grande Líder”, que teve seus planos derrotados pela indisciplina da “pequena burguesia”, representada pelos homens livres e pobres e pelos “extremistas de esquerda” Crixo, Enomau e Casto (as lideranças dissidentes do exército espartacano), que poderiam ser identificados como os “trotskistas” da oposição de esquerda (RUBINSOHN, 1987, p. 8). No entanto, sabemos que estas rebeliões nunca foram capazes de apresentar uma alternativa societária, uma solução revolucionária para a sociedade escravista. Estes escravos nunca elaboraram um programa que reivindicasse a abolição da escravidão em geral, desejando, antes de mais nada, o fim de sua própria escravidão individual. A forma de exploração extra-econômica do trabalho e a ausência de uma filosofia ou de uma ideologia revolucionária como a que surgiu com o Iluminismo nos séculos XVII e XVIII condicionaram o desenvolvimento dessas insurreições. Assim, uma revolução social como a que ocorreu em Santo Domingo, iniciada com a revolta de escravos negros e associada ao movimento burguês revolucionário da Metrópole francesa, que se configurava numa revolução social de massa, conforme a definiu Hobsbawm, levando à abolição da escravatura na colônia francesa e sua posterior independência e formação da república latino-americana do Haiti não existiu enquanto possibilidade histórica na Antiguidade. Mas outros tipos de revoluções existiram na Antiguidade e outras categorias de revolução também fazem parte do repertório conceitual do marxismo. Portanto, assim como vimos que a passagem da República para o Principado se deu através de umarevolução passiva realizada pela classe dominante. Situaremos as duas rebeliões – a chefiada por Euno e a de Espártaco – como fugas-rompimento, chegando a primeira a se conformar numa revolução política, por ter no seu ponto culminante tomado o poder da ilha da Sicília e organizado um governo dos escravos, ainda que não tenham ocorrido mudanças essenciais no âmbito da estrutura econômico-social daquela sociedade. O exército espartacano foi objetivamente uma comunidade móvel, um movimento de fuga de escravos que foi o mais extraordinário da História, uma fuga coletiva insurrecional, com prováveis consequências desastrosas para Roma. Estes movimentos rebeldes se deram no marco de uma crise institucional e de um regime de exceção produto de uma crise política e militar, respectivamente.
            A Primeira Guerra Servil foi retratada por Diodoro, que escreveu sobre esta revolta no século I a.C., um século depois da sua ocorrência.  A Sicília tornou-se a primeira província romana a partir da Primeira Guerra Púnica. Com a Segunda Guerra Púnica, deu-se um novo impulso para a economia da ilha, que constituía um celeiro para Roma. A produção escravista nos latifúndios agrícolas e nas fazendas de gado gerava lucros para os senhores romanos, sicilianos e italianos. Mas essa riqueza produzida devia-se a um exacerbado grau de exploração dos escravos sicilianos, o que gerava descontentamento e criava um ambiente propício para a rebelião. As Guerras Servis da Sicília são marcadas por esta organização do trabalho baseada na superexploração e nos abusos por parte dos proprietários. A Primeira Guerra Servil durou de 135 a 132 a.C. e a Segunda Guerra Servil durou de 104 a 101 a.C., tendo mobilizado milhares de escravos que organizaram exércitos e formaram quilombos na sua resistência à repressão do exército republicano. Embora a classe dominante não admitisse de forma categórica no seu discurso que estas eram verdadeiras guerras, expressando sempre uma ambiguidade entre guerra verdadeira e falsa guerra por ocorrer contra exércitos de escravos, seres inferiores segundo a ideologia escravista, foram batalhas dramáticas, um embate entre tropas de forças militares inimigas, resultando em alguns momentos em derrotas para a nobreza senatorial e as classes proprietárias, amargando duros reveses sofridos pelo grande exército romano pelas mãos de um bando de escravos, sendo esta uma demonstração extraordinária de força por parte dos rebeldes sicilianos, mesmo que o resultado final tenha sido a aniquilação dos revoltosos.
            Diodoro explica a eclosão da revolta pelo fato das autoridades governamentais não regularem as relações entre amos e escravos, sendo que estes senhores sicilianos eram cruéis e não proviam as necessidades básicas de seus servos, tornando absolutamente intolerável a já degradante condição servil:
“Devido à extrema prosperidade das pessoas que desfrutavam dos produtos naturais dessa imensa ilha, quase todos quando ficavam mais ricos se adotavam um padrão de comportamento primeiro luxuoso, depois arrogante e provocador. Em virtude desse comportamento os escravos passavam a ser tratados cada vez pior, e eram correspondentemente cada vez mais alienados de seus proprietários. (...) Os sicilianos que controlavam toda essa riqueza competiam em arrogância, cobiça e injustiça com os italianos. Aqueles italianos que possuíam um lote de escravos tinham acostumado seus pastores a um comportamento irresponsável a tal ponto que, em vez de provê-los com suprimentos, encorajavam-nos a roubar.” (DIODORO, 24)
            No fragmento podemos notar que a prosperidade econômica era acompanhada de uma brutal exploração da mão-de-obra servil. O luxo dos senhores se devia, em larga medida, à penúria de seus escravos. Sem condenar as relações escravistas em si mesmas, Diodoro condenava uma postura arrogante e irresponsável dos proprietários da Sicília e enxergava nesta falta de virtudes morais a raiz da revolta. Os escravos, sem ter garantido por seus amos nem a alimentação, eram incentivados pelos mesmos a roubar, criando um ambiente de instabilidade, banditismo e violência na ilha. Além disso, acabavam, desse modo, encorajando os escravos a atentarem contra a vida e a propriedade de homens livres e proprietários, o que, inevitavelmente, fazia brotar nos trabalhadores escravizados um sentimento de potência e de crescente ousadia. O autor também destaca no texto os pastores, que eram escravos que gozavam de maior liberdade de movimentos, portavam armas e nessa situação social assumiam uma consciência de suas próprias forças e começavam a raciocinar as possibilidades para reverter ou atenuar a sua condição:
            “Deram essa liberdade (de roubar) a homens que devido a seu poder físico eram capazes de pôr em prática qualquer coisa que planejassem fazer, (...) homens que devido à falta de comida eram forçados a empreitadas arriscadas, e isso logo levou a um aumento da taxa de crime. Começaram matando pessoas que estavam viajando só ou em pares, em lugares especialmente afastados. Depois reuniram-se em grupos e atacaram as fazendas (...) à noite, pilhando seus domínios e matando quem resistisse. Eles tornavam-se cada vez mais ousados e a Sicília deixou de ser passagem à noite para os viajantes. (...) Todos os lugares foram atingidos pela violência e roubo e assassinato. Mas pelo fato de os pastores estarem acostumados a dormir ao ar livre e estarem equipados como soldados, estavam (não surpreendentemente) cheios de coragem e arrogância.”(DIODORO, 28, 29)
            O autor segue analisando as causas da revolta de escravos e aborda um caso individual, mas que, para ele, teve uma grande importância, tendo em vista que a rebelião iniciara na propriedade deste senhor chamado Damófilo. Além disso, ele e sua esposa exemplificam o que era a crueldade desta classe de homens ricos e de posses e sua postura diante dos escravos que tinham em seu poder:
“Devido ao seu caráter obstinado e selvagem, não havia um só dia em que esse mesmo Damófilo não torturasse algum de seus escravos sem uma causa justa. Sua esposa Matallis tinha igual prazer nesses castigos insolentes e tratava suas empregadas e aqueles escravos que estavam sob sua jurisdição com grande brutalidade. Em conseqüência desses castigos humilhantes, desenvolveu-se nos escravos um sentimento de bestas selvagens em relação aos seus amos, e achavam que nada do que pudesse lhes acontecer seria pior do que o mau estado em que se encontravam.” (DIODORO, 37)
            O líder da revolta foi um escravo sírio chamado Euno. Ele era um escravo doméstico e era um fazedor de milagres, tornando-se um chefe religioso, além de chefe político e militar. A religião teve um papel fundamental, pois funcionava como um programa, apontando para uma estratégia e perspectivas, bem como uma orientação geral, partindo os rebeldes de algumas referências conhecidas e comungadas por todos. Antes da revolta, os rebeldes consultaram Euno sobre o que os deuses diziam e ele afirmou para seus comandados que a Deusa Síria lhe falava que o sucesso dependia de uma ação rápida. Os escravos rebeldes fizeram ainda rituais religiosos de sacrifício para que fossem bem-sucedidos em sua empreitada. Podemos, assim, ver o entrelaçamento entre a religião, a política e a guerra no mundo antigo e nas revoltas e movimentos dos subalternos:
Pois a Sorte tinha decretado que Enna, a cidadela de toda a ilha, deveria ser seu Estado. Quando ouviram isso, presumiram que o mundo espiritual lhes daria cobertura em sua empreitada e suas emoções estavam tão decididas à rebelião que nada podia retardar seus planos. Então imediatamente libertaram aqueles escravos que estavam acorrentados e reuniram aqueles dos outros que viviam por perto. Em torno de quatrocentos deles reuniram-se em um campo perto de Enna. Fizeram um pacto solene entre si e trocaram um juramento com a força de sacrifícios noturnos, e então armaram-se tão bem quanto a ocasião permitia. Todos apoderaram-se da arma mais efetiva de todas, a fúria, dirigida à destruição do amo e da ama que os tinham humilhado. Euno os comandava. Gritando, encorajando uns aos outros, irromperam na cidade mais ou menos no meio da noite e mataram muitas pessoas.” (DIODORO, 24b)
            Depois de consolidada a vitória, Euno foi eleito rei, intitulando-se rei Antíoco, e organizou um conselho formado pelos melhores dentre o exército rebelde, tendo sido um deles um escravo chamado Aqueu. Mais tarde, tendo o eco da rebelião ressoado em outros cantos da Sicília, alastrando-se para outras cidades a revolta servil, um ex-pirata da Cilícia, Cléão, liderou um movimento nas cercanias de Agrigento, ocupou a cidade e depois se uniu a Euno. Além destes dois generais, Euno contava ainda com dois pastores como seus lugares-tenentes, Hérmias e Zêuxis. Completando sua corte, a esposa de Euno foi feita rainha. É importante observar que os escravos rebeldes não criaram nenhuma nova forma de autoridade estatal, nenhum novo tipo de governo ou de regime político. Eles apenas reproduziram as formas conhecidas de governo e o tipo de governo conhecido por eles e talvez considerado como legítimo e até mesmo o melhor era o sistema da monarquia helênica oriental, adotado, então, no novo governo da Sicília. Sendo assim, os escravos tomaram o poder, isto é, assumiram o controle da ilha e estabeleceram um reino próprio, um governo autônomo, mas sem inovar, sem revolucionar as formas políticas existentes. Diodoro explica as razões da escolha de Euno como chefe de Estado:
“(...) Em seguida, Euno foi eleito rei. Isto não se deveu ao fato dele ser particularmente corajoso ou que tenha se destacado como comandante, mas simplesmente por ser um fazedor de milagres e por ter iniciado a revolta (...)”(DIODORO, 14)
            Assim, podemos perceber que Euno/Antíoco não se destacou como líder por ser um exímio general, mas principalmente por ser um símbolo e um líder religioso, além do iniciador da rebelião, isto é, sua liderança política, a vanguarda da luta. Compreender a forma como religião e política estão interligadas e associadas na Antiguidade é chave para entender o processo de escolha dos líderes das rebeliões servis. Esta revolta representou o mais alto grau de exacerbação das lutas entre senhores e escravos no Mundo Antigo e apesar disso os rebeldes não desenvolveram nenhum novo paradigma que representasse um avanço social verdadeiramente revolucionário. Os escravos rebeldes chegaram a escravizar os seus antigos senhores e elementos da população livre que detivessem conhecimentos estratégicos para sua organização político-administrativa e político-militar, como homens que fossem capazes de fabricar armas:
“(...) Estabelecido como senhor dos rebeldes em todos os assuntos, ele convocou uma assembléia e matou as pessoas de Enna que haviam sido capturadas, exceto aqueles que eram hábeis em fazer armas; ele forçou-os a realizar seu trabalho acorrentados. (...)” (DIODORO, 15)
            O estabelecimento de uma corte, de um regime monárquico, baseado numa estrutura aristocrática, também é uma evidência de que as mudanças processadas no que se refere à criatividade própria dos momentos “revolucionários” não são visíveis no levante dos escravos sicilianos. A pompa do líder rebelde e conservadorismo dos revoltosos na construção da organização social e política de seu reino quase obscurecem o significado histórico monumental do estabelecimento de um “Estado escravo” na Antiguidade clássica. O autogoverno dos ex-escravos, a destituição da aristocracia escravista siciliana e italiana do poder e sua independência política em relação a Roma são elementos que compõem um processo único na História. Se acrescentarmos a isso o fato de que a Sicília era muito importante para o abastecimento de Roma, um importante celeiro deste império mediterrânico, poderemos compreender porque os romanos não podiam permitir de maneira nenhuma o sucesso da empreitada dos escravos de maioria síria, formando agora uma comunidade numa ilha bastante próxima do território que era o coração do império romano. A corte “síria” precisava ser destronada da Sicília o quanto antes:
“Ele vestiu um diadema e adornava-se como um rei em todos os outros aspectos, proclamou a mulher que vivia com ele, que veio da mesma cidade que ele, na Síria, como sua rainha, e fez aqueles homens que pareciam ser particularmente inteligentes seus conselheiros (...)” (DIODORO, 16)
            Esta insurreição escrava teve um impacto sobre outras comunidades, províncias e propriedades com trabalhadores escravos; somente a destruição do exército rebelde da província da Sicília poria fim à onda de insubordinação desencadeada por esse conflito. Novamente, devemos destacar que a rebelião estourara num momento de grande fragilidade do sistema republicano diante da ameaça que surgia no horizonte à hegemonia política da ordem dos senadores sobre a sociedade romana. A revolta ocorreu no momento em que o pretor nomeado para administrar a ilha ainda não havia chegado para assumir seu cargo:
“(...) Pouco depois o pretor Lucius Hypsaeus chegou de Roma e encontrou-os numa batalha à frente de 8.000 soldados mobilizados na Sicília. Os rebeldes, agora somando 20.000, venceram, e dentro de pouco tempo seu exército cresceu para 200.000 homens. E eles ganharam renome em muitas batalhas com os romanos e cometeram poucos erros. Quando a notícia disto chegou ao exterior, explodiram revoltas de escravos em Roma (onde 150 conspiraram contra o governo), em Atenas (acima de 1.000 envolvidos), em Delos e em muitos outros lugares. Mas os funcionários governamentais logo as suprimiram nos diversos lugares com pronta ação e terríveis torturas como punição, de modo que outros que estavam a ponto de revoltar-se caíram em si. Mas na Sicília o mal continuava aumentando – cidades foram tomadas pelos rebeldes e seus habitantes escravizados, e muitos exércitos foram despedaçados pelos rebeldes - , até que o general romano Rupilius recuperou Tauromenium  para os romanos depois de pôr-lhe estreito sítio... (...)” (Diodoro, 18, 19)
            Neste trecho, podemos sublinhar algumas passagens interessantes. Em primeiro lugar, a revolta da Sicília irradiou-se para outros lugares; o seu exemplo foi seguido por outros escravos que tentaram se rebelar e se libertar. Em segundo lugar, a repressão que se seguiu serviu para incutir o medo nos demais escravos do império, impedindo que ocorressem outras revoltas. Este fato foi de fundamental importância, pois o insucesso das revoltas que eclodiram na esteira da rebelião siciliana e o retrocesso do movimento, marcando um recuo da reação servil contra a opressão romana levaram ao isolamento dos rebeldes da ilha da Sicília e à sua conseqüente derrota. Além disso, ao não conseguir construir uma aliança com outras classes exploradas e oprimidas no interior da própria província, os escravos sicilianos estavam fadados ao fracasso. Somente com a adesão dos homens livres e pobres ao exército rebelde ou com o seu apoio, pelo menos, somado a uma onda de revoltas vitoriosas ou, no mínimo, de magnitude igual àquela que tomava a ilha ao Sul da Itália, que enfraquecessem o exército romano poderiam garantir o sucesso do movimento liderado por Euno. Talvez os escravos pudessem sonhar com um governo autônomo relativamente estável e livre do domínio romano, se este cenário alternativo tivesse se dado. No entanto, os escravos antigos não queriam transformar a sociedade; não tinham um projeto de reformas políticas e sociais conseqüente e, com isso, colocavam os outros grupos sociais subalternos desde o princípio de fora de sua luta, pois em nada melhoraria as suas vidas um movimento vitorioso que fosse encabeçado por escravos. Como os escravos não eram uma classe para si e não possuíam uma organização que ultrapassasse o nível local (as revoltas tinham um caráter local, restritas a um espaço físico, limitadas a uma região qualquer, não havendo unidade entre os vários processos), não foi possível articular um amplo movimento pela libertação dos escravos ou uma frente de resistência contra a opressão romana. Assim, mesmo sendo possível forjar a unidade entre os escravos de um mesmo senhor, numa mesma propriedade, ou de uma mesma região ou província, esse caráter local mostrava-se uma barreira intransponível no processo de enfrentamento com a classe senhorial romana, itálica e siciliana. Esta divisão existente entre os próprios escravos, que, não só não tinham uma consciência de classe, como também os meios de comunicação e transporte que possibilitassem materialmente esta articulação maior entre os servos das distintas províncias, facilitou a repressão. Desse modo, os romanos puderam enfrentar cada movimento separadamente. Outro elemento importante presente no texto é a ênfase posta pelo autor no controle de diversas cidades da Sicília pelos escravos rebeldes e na escravização de seus habitantes; ou seja, os ex-escravos, uma vez no poder, passavam, então, a escravizar. O paradigma escravista não era contestado, sendo, muito pelo contrário, incorporado pelos revoltosos, quando confrontados com a realidade da administração pública e da gestão econômica da ilha. A reprodução dos pressupostos da sociedade escravista romana pelos rebeldes é um sintoma do beco sem saída das sociedades antigas. Diante da inexistência de uma alternativa societária, da impossibilidade de uma solução revolucionária para o escravismo antigo, os movimentos de resistência tendiam a operar com as mesmas idéias, reformulando-as, talvez, com base em outras tradições, locais ou estrangeiras, mas, de qualquer modo, conservadora e sem uma perspectiva transformadora. Cada um queria se libertar da sua opressão e não acabar com a opressão geral. Cada escravo queria a sua liberdade, o que não implicava, necessariamente, no fim da escravidão. É claro que, mesmo assim, a demonstração de força dos escravos sicilianos que, segundo Diodoro, tomaram cidades e despedaçaram exércitos, servia para pôr em xeque a justificação teórica do escravismo; buscar a justificativa para a escravidão numa suposta inferioridade dos escravos tornava-se mais difícil, diante do exemplo fornecido pelas rebeliões servis. Não havia contra-argumento mais forte às teses do escravo como ser inferior ou da guerra servil como falsa guerra do que a capacidade de iniciativa, organização, mobilização e coragem dos servos do império.
            A fase final da guerra foi marcada pela contra-ofensiva romana:
“Cidades e suas populações inteiras foram capturadas e muitos exércitos foram destruídos pelos insurgentes, até que o governador romano Rupilius recapturou Taormina (Tauromênio) para os romanos. Ele tinha sitiado a cidade tão efetivamente que condições de terrível e extrema fome tinham sido impostas aos insurgentes – tanto que eles começaram a comer suas crianças, depois suas mulheres, e no fim eles nem mesmo hesitaram em comer uns aos outros” (DIODORO, 20)
O cerco à cidade de Tauromênio, diz-se, levou os escravos, no desespero e diante de uma fome extrema, à prática do canibalismo. A redução destes escravos a um estado tão bestial pode ser interpretada como um produto da guerra, como é apresentado no início do fragmento, sendo o resultado da arte romana da guerra e da eficiência de um grande general em sufocar uma rebelião e forçar o inimigo à rendição; mas também pode ser encarada como uma forma de manchar a imagem dos escravos rebeldes que, frente às dificuldades da guerra, rendem-se aos instintos animais, aos instintos mais primitivos da pura sobrevivência e isso transparece quando o autor retrata os revoltosos devorando primeiro suas próprias crianças, seguidas pelas mulheres, ou seja, os mais frágeis e depois uns aos outros sem nem mesmo hesitar.
O contra-ataque das tropas republicanas à ofensiva rebelde sobre as cidades sicilianas e o exército romano mostrou a força da organização militar de Roma. O isolamento do reino dos escravos sicilianos impediu que o mesmo fosse capaz de resistir por muito tempo à força de um império inteiro mais bem estruturado, sólido e de dimensões superiores, tanto em termos de extensão territorial quanto populacionais, tendo mais homens recrutáveis à sua disposição para uma guerra mais longa, se fosse o caso, generais mais bem treinados e experimentados em campanhas militares para ganhar uma guerra mais rapidamente, conforme demonstrara Rupílio.
O reinado de Euno teve seu fim com a ação brutal e eficaz da máquina de guerra romana. A ausência de um programa mais consistente permitiu que os escravos cedessem mais facilmente ao desespero, sendo, em alguns casos, levados a trair seus companheiros na esperança de obter o perdão de seus senhores e de acabar com aquele suplício. Isso não impediu que muitos lutassem bravamente e tivessem uma morte heróica em batalha. As duas situações aparecem no fragmento a seguir. Nesta passagem que retrata o desfecho da rebelião, Diodoro apresenta Euno, o líder da revolta escrava, como um covarde. A mesma condenação que o autor despeja sobre os senhores que maltratavam os seus servos é dirigida a Euno por incitar os demais escravos à revolta. Com o intuito de reforçar o caráter vil de Euno, Diodoro ressaltou em seu relato o fato do líder dos escravos ter fugido e se escondido, levando-se consigo serviçais que representavam o status e o luxo da posição de rei que ocupava; mas, para o  autor, seria ele um rei de segunda categoria, um rei covarde, o único tipo de monarca que um escravo poderia ser. A situação deplorável em que ele se encontrava quando foi capturado e a maneira como morreu, maltrapilho, na prisão, colocavam ainda mais em relevo aquilo que seria, para Diodoro, o único destino possível e justo para alguém que inflasse os servos contra os seus amos. A ilha havia sido tomada por bandidos, segundo o que consta do texto, mas pode ser que muitos destes bandidos fossem os próprios escravos rebeldes, sendo equiparada a insurreição escrava ao banditismo. É evidente que os tumultos que ocorriam na Sicília iam para além da rebelião servil, pois os homens livres e pobres da província também se aproveitaram da situação para saquear, sendo, portanto, possível que nem todos os ditos bandidos propriamente escravos; no entanto, isto não anula o fato de que era intenção do autor equiparar os rebeldes a bandidos e que a revolta em si criou uma conjuntura favorável para atos de banditismo, na medida em que provocou a desordem na ilha da Sicília. Em suma, a ambiguidade presente no discurso escravista toma forma no relato de Diodoro, quanto o mesmo aponta alternadamente atos de bravura e atos de traição e covardia. É importante salientar que o autor tenta a todo instante se reconciliar com a tese da inferioridade dos escravos, pelo menos nas passagens descritas, reforçando o discurso dominante, ainda que pondere e suavize essa defesa com uma concepção baseada na necessidade de se construir relações harmônicas e “justas” entre amos e escravos:
“Foi nesta ocasião que o irmão de Cléão, Comano, foi capturado, tentando escapar da cidade sitiada. No fim o sírio Serapião traiu a cidadela e o governador foi capaz de trazer sob seu controle todos os fugitivos na cidade. Ele os torturou e depois os atirou de um penhasco. De lá ele foi para Enna, a qual ele sitiou da mesma maneira; ele forçou os rebeldes a ver que suas esperanças tinham chegado a um beco sem saída. Seu comandante Cléão veio para fora da cidade e lutou heroicamente com uns poucos homens até que os romanos foram capazes de mostrar o seu cadáver coberto de feridas. Esta cidade também foi capturada através da traição, até porque ela não poderia ter sido tomada nem pelo mais poderoso exército. Euno levou sua escolta de uns mil homens e fugiu de uma forma covarde para uma região onde havia muitos penhascos. Mas os homens com ele perceberam que eles não poderiam evitar seu destino, pois que o governador (cônsul) Rupilius já estava indo na direção deles, e eles decapitaram uns aos outros com suas espadas. O fazedor de milagres Euno, o rei que tinha fugido por sua covardia, foi arrastado para fora das cavernas onde ele estava se escondendo com quatro serviçais – um cozinheiro, um padeiro, um homem que o massageava no banho e um quarto que costumava entretê-lo quando ele estava bebendo. Ele foi posto sob custódia; seu corpo foi comido por uma multidão de piolhos, e ele terminou os seus dias em Morgantina na maneira apropriada por sua vilania. Em seguida, Rupilius marchou através de toda Sicília com uns poucos soldados selecionados e libertou-a de todo vestígio de bandos de bandidos mais cedo que o esperado” (DIODORO, 20-23)
            Antônio Gramsci foi o teórico marxista que melhor elaborou sobre a função desarticuladora da ideologia dominante nas revoltas dos subalternos:
“(...) Os grupos subalternos sofrem sempre a iniciativa dos grupos dominantes, inclusive quando se rebelam e se levantam. Na realidade, inclusive quando parecem vitoriosos, os grupos subalternos se encontram em uma situação de alarma defensivo (...)” (GRAMSCI, C.XXIII, R. 191-193)
            O beco sem saída das sociedades antigas pode ser visto como o fator estrutural determinante para a derrota de todas as rebeliões servis. A ausência de um programa revolucionário, que apresentasse uma alternativa societária, uma solução para a crise do escravismo antigo em sua máxima expressão na economia política do império mediterrânico romano, dentro de uma perspectiva de longa duração, e os próprios limites objetivos para a organização das revoltas, que fosse para além das províncias, generalizando-se para todo o império romano condicionaram os sentimentos coletivos e íntimos dos escravos antigos, sua subjetividade, e o seu desespero nos momentos mais difíceis. Serapião traiu os seus companheiros, cedendo ao desespero, e permitiu que as tropas romanas entrassem na cidade de Tauromênio. O mesmo ocorreu na cidade de Enna, quando outro escravo traiu o movimento também. Os rebeldes foram torturados. O desespero levou os habitantes de Tauromênio ao canibalismo, devido à fome, e os escravos da escolta de Euno que fugiram de Enna, suicidaram-se, decapitando uns aos outros, com medo dos suplícios que teriam de suportar caso fossem feitos prisioneiros. A inexistência de uma perspectiva de futuro e a influência ideológica da classe senhorial determinaram as ações dos escravos que traíram e até mesmo devoraram os seus companheiros e daqueles que ceifaram a própria vida, fazendo a única escolha humana possível, quando o seu destino já estava decidido de antemão pelo desenvolvimento da revolta, travando uma heróica luta de resistência, sem, no entanto, apresentar um plano para vencer os romanos e construir um governo que atendesse às necessidades da maioria da população da ilha e que funcionasse como um ponto de apoio para as rebeliões servis que aconteciam nas outras partes do império. No entanto, devemos destacar primeiramente que, com todas as dificuldades, mesmo assim, a rebelião servil ocorreu na Sicília e isso merece uma explicação. Um fator que não é menos importante, além de todos os que já foram levantados, como a crise política da república e os maus tratos sofridos pelos escravos de maneira sistemática, é a questão demográfica. Havia uma espetacular concentração de escravos na ilha e isso tornava possível que acontecesse uma grande revolta, isto é, que o movimento ultrapassasse o nível de pequenos complôs. Um levante como este seria impossível na Grécia, por exemplo, simplesmente porque os proprietários de escravos tinham muito menos homens escravizados sob seu poder, as propriedades rurais eram de proporções menores e a população servil também. Somente a elevada concentração de mão-de-obra servil pode explicar a possibilidade de uma verdadeira guerra servil. Apoiando-nos em Diodoro, portanto, defendemos que foi essencial a alta densidade demográfica de escravos na Sicília e o seu papel primordial na produção. O autor comenta este fato, ressaltando que chegava a espantar as pessoas da época, quando se ouvia falar do número de escravos existentes na ilha da Sicília:
Os escravos que havia na Sicília eram tão numerosos que quem ouvia falar disto não acreditava, pensando que devia se tratar de um exagero.”(DIODORO, 34, 35)
            Assim, partimos da compreensão desta revolta como uma insurreição popular. Entretanto, os escravos não se rebelaram simplesmente, eles derrubaram o antigo poder e assumiram o controle político-administrativo da ilha da Sicília. Este elemento de qualidade superior não foi suficiente, no entanto, para produzir uma nova sociedade. Permaneceram como realidades sociais a escravidão e a monarquia como modelo de regime político, sendo implantada pelos rebeldes após a tomada do poder. No campo do marxismo, alguns historiadores e teóricos dedicaram-se a diferenciar insurreições de revoluções e revoluções políticas de revoluções sociais. Uma revolução social ocorre quando se modifica a estrutura econômico-social de uma sociedade determinada. Isto evidentemente não se deu no caso da revolta dos rebeldes sicilianos. Mas este não é o único tipo de revolução existente na realidade para os marxistas. O conceito de revolução política é fundamental para um melhor entendimento deste evento. Um importante teórico marxista russo, Leon Trotsky, criou este conceito para diferenciar mudanças de regime político de mudanças econômicas e sociais e para caracterizar quando uma classe social substitui outra no poder, sem que a estrutura social se modifique necessariamente. A simples derrubada de um governo não configura um processo revolucionário autêntico; nem mesmo a tomada do poder quando produto da ação de uma minoria. A conquista do poder político de Estado para ser algo mais que um golpe de Estado tem que ser obra de uma classe social progressista e não de um setor reacionário ou conservador da classe dominante ou ainda de setores políticos e sociais minoritários. É claro que para que possamos chamar um movimento de revolucionário a sua ação precisa ser mais que uma insurreição. A insurreição, nesse caso, tem de ser somente o ponto culminante de um processo mais amplo e mais profundo. Isto porque podem existir insurreições que não sejam revoluções ou parte integrante de um processo revolucionário. Desse modo, o que nos permite afirmar que a Primeira Revolta de Escravos da Sicília tratou-se de uma revolução política foi a tomada do poder político de Estado e o estabelecimento de um novo governo pelos rebeldes sicilianos. A revolução escrava aparece aqui, portanto, não na forma apresentada pela historiografia stalinista, mas de forma mediada, utilizando o repertório conceitual que é patrimônio do marxismo que rompeu com o dogmatismo stalinista. Este conceito de revolução política é apresentado por Trotsky:
“O mecanismo político da revolução consiste na transferência do poder de uma classe para outra. A insurreição, violenta por si mesma, realiza-se habitualmente em curto espaço de tempo. (...)” (TROTSKY, 1978, p.184)
            A revolta de Espártaco guarda algumas similitudes, mas muitas diferenças em relação à sua antecessora. A rebelião teve início numa escola de gladiadores em Cápua, no Sul da Itália. Esta revolta logo se generalizou e aquilo que era um pequeno grupo de escravos amotinados transformou-se num verdadeiro exército servil. O levante de escravos libertos foi desde o princípio uma fuga. Os gladiadores revoltosos se refugiaram no Monte Vesúvio, ou seja, numa posição geográfica favorável, formando um tipo de “quilombo”. Fugas de escravos e formação de quilombos eram as formas básicas de fugas para fora, de expressão mais radical do “não quero” dos escravos tanto na Antiguidade quanto no Novo Mundo. A região na qual os escravos tinham se aquilombado – o Monte Vesúvio – avizinhava-se de Pompéia, cidade do Sul da Itália, assim como Cápua, cidade italiana em que se precipitou a revolta de gladiadores e que foi ocupada por Roma no passado pela sua aliança com Aníbal durante a Segunda Guerra Púnica. Esta região era rica e próspera, com terras férteis utilizadas na produção de vinho, de azeite e de trigo para exportação, sendo, portanto, estratégica do ponto de vista econômico, por um lado, e uma grande reserva de soldados em potencial para o exército rebelde, tendo como agravante um imenso número de escravos de primeira geração. Além disso, o Vesúvio era uma fortaleza natural inacessível e inexpugnável, constituindo uma importante base de operações para os revoltosos e um refúgio relativamente seguro para os fugitivos dos ergástulos e da morte na arena, além dos pobres da Península Itálica, que viram neste movimento, que contava com uma liderança como Espártaco, que dividia o produto dos saques de forma igualitária, como uma estratégia de sobrevivência. A perseguição empreendida pelos romanos somada ao fato dos mesmos subestimarem aquele movimento insurrecional fizeram com que os fugitivos formassem um exército e que os espartacanos percorressem toda a Itália, atendendo aos anseios daqueles que aderiam àcomunidade móvel de ex-escravos e homens livres e pobres e nas diversas rotas de fuga traçadas de acordo com as possibilidades. Este processo é retratado por Apiano:
“Ao mesmo tempo, na Itália, entre os gladiadores que treinavam para o espetáculo em Cápua, Espártaco, um homem da Trácia que havia servido certa vez como soldado com os romanos e que, por ter sido feito prisioneiro e vendido, encontrava-se entre os gladiadores, persuadiu a uns setenta de seus companheiros a lutar por sua liberdade ao invés de divertir os espectadores. Eles dominaram os guardas e fugiram, armando-se com clavas e adagas de algumas pessoas nas estradas e refugiaram-se no Monte Vesúvio. Ali deu acolhida a muitos escravos fugitivos e a alguns camponeses livres e saqueou os arredores, tendo como lugares-tenentes aos gladiadores Enomau e Crixo. Por repartir o botim em partes iguais, teve logo uma grande quantidade de homens.” (Apiano, As Guerras Civis, XIV, 116)
            Além dos elementos já levantados, este fragmento apresenta outras questões como a suposta atuação de Espártaco como soldado do exército romano. Assim, Espártaco, o escravo gladiador, teria aprendido no seu período de serviço militar os conhecimentos mais avançados de estratégia militar do mundo antigo – a estratégia de guerra romana. Este argumento poderia tanto ser verídico quanto uma justificação ideológica para a extrema capacidade de um inimigo tão valoroso de Roma, que derrotou seus melhores generais e tropas bem treinadas de cidadãos romanos. Nesta passagem também são apresentadas as outras lideranças do movimento rebelde, os gladiadores Crixo e Enomau, estando, no entanto, subordinados ao líder principal, o antigo soldado romano e gladiador trácio, Espártaco, que teria, além do talento militar, o talento político, com uma capacidade oratória capaz de convencer seus pares a se rebelar contra os seus amos e empreender uma luta armada contra um império invencível. Os saques e a divisão igualitária dos mesmos explicavam a adesão de camponeses livres e do crescimento rápido no número de revoltosos. O igualitarismo presente em Espártaco possivelmente exerceu grande influência na sua consolidação como a principal liderança do exército rebelde, sendo mais um aspecto de sua extraordinária capacidade como organizador, sedimentando a unidade de escravos de diferentes etnias e deles com homens da plebe rural empobrecidos, itálicos livres, através de laços de solidariedade mútua. Nesse sentido, esta revolta foi mais longe na ruptura com os valores da sociedade romana, superando o paradigma escravista republicano, contestando a ideologia escravista romana, com uma organização de homens livres e iguais.
            Plutarco é outro autor de um relato sobre a revolta de Espártaco. Para ele, as qualidades pessoais de Espártaco, sua elevada moral e extrema capacidade, e sua qualidade enquanto líder religioso além de comandante e chefe político influenciaram de forma decisiva na sua escolha como líder dos rebeldes, sendo para Plutarco o chefe principal, acima de todos os outros. Ele aparecia em seu texto como um líder corajoso, forte, inteligente e sábio. Apesar de ser um escravo, ele o seria por mero acaso, ainda mais um gladiador. Nas palavras de Plutarco, Espártaco “valia mais do que a sua sorte”, assim, de acordo com as suas habilidades, ele deveria ocupar uma função ou posição mais suave ou prestigiosa do que a de um escravo gladiador. Assim, para Plutarco, havia destinos mais adequados para cada tipo de escravo segundo suas capacidades:
“Depois de ocupar uma posição naturalmente forte, elegeram três chefes, o primeiro dos quais foi Espártaco, um trácio de raça nômade. Ele não era só inteligente e forte: pela sabedoria e pela moderação, ele valia mais do que a sua sorte e era mais grego do que a sua origem. Diz-se que, da primeira vez que o conduziram a Roma para vendê-lo, viu em sonho uma serpente enrolada em torno de seu rosto. A mulher de Espártaco, sua compatriota, que era advinha e sujeita a transportes inspirados por Dionisos, explicou-lhe que se tratava de um presságio importante: o de um poder grande e terrível que lhe traria um fim infeliz.”(Plutarco, Crasso, 8)
            O casal místico maior confiança aos rebeldes pela relação com os deuses e com o sobrenatural e a possibilidade de prever os eventos e de invocar os deuses para o sucesso, sendo capazes, na visão dos escravos e dos homens livres e pobres que aderiram à revolta, de conduzi-los à vitória, com o apoio dos deuses salvadores – Dionísio e Sabázio (deus filho de Júpiter e pai de Dionísio, sendo a visão da serpente ligada ao culto sabazista, oriundo da Trácia). A liderança simbólica e efetiva do gladiador trácio, casado com uma sacerdotisa de Dionísio, provinha da sua capacidade, mas também das crenças populares da época, que o habilitavam, mais do que a qualquer outro, a ser o chefe principal do exército rebelde.
            Plutarco segue o relato, começando pelo sentido de tudo aquilo que tinha relação com os escravos e do quanto era visto como indigno tanto para os senhores quanto para os próprios escravos, ao mesmo tempo em que expõe as vitórias espetaculares do exército de Espártaco, nas primeiras batalhas da guerra servil:
               “De início, os fugitivos repeliram os soldados enviados de Cápua contra eles e, apoderando-se de uma certa quantidade de armas de guerra, substituíram por elas suas armas de gladiadores, rejeitadas com desprezo como desonrosas e bárbaras. Em seguida, o Pretor Clódio foi enviado de Roma contra eles com três mil homens, vindo assediá-los. Eles ocupavam então uma montanha [o Vesúvio] da qual os romanos controlavam a única passagem, um desfiladeiro; o resto não passava de rochedos lisos e a pique. Mas, no cume, crescia em abundância uma vinha selvagem. Os homens de Espártaco cortaram, pois, os sarmentos que pudessem servir-lhe; e, entrelaçando-os, fizeram com eles escadas tão longas e fortes que, presas no alto, iam ao longo do rochedo até o chão. Desceram todos assim em completa segurança, com exceção de um: esse velava sobre as armas, e as jogou para os outros lá embaixo, descendo em seguida por último. Os romanos não sabiam disto. Os gladiadores cercando-os, aterrorizaram-nos pelo caráter súbito do movimento e os puseram em fuga, apossando-se do acampamento. Muitos dentre os boiadeiros e pastores do país se juntaram a eles. Eram homens trabalhadores e ágeis. Alguns foram armados; outros foram empregados como exploradores ou como infantaria leve.” (Plutarco, Crasso, 9)
O autor afirma que, logo que puderam, os escravos rebeldes trocaram suas armas de gladiadores pelas armas do exército romano, por considerarem as primeiras indignas, “desonrosas e bárbaras”. Com certeza, isto deve ter ocorrido; evidencia unicamente que a ideologia dominante também exercia influência sobre os escravos que, assim como seus amos, enxergavam tudo que se relacionava com a escravidão como inferior e bárbaro; mas talvez as armas apreendidas fossem vistas também como armas melhores e mais eficientes para os combates numa guerra. Além disso, a cada vitória do exército espartacano, os rebeldes pegavam as armas das tropas derrotadas para se abastecer de armamentos de forma contínua. No texto fica claro que os romanos subestimaram os escravos rebeldes e que os espartacanos utilizaram táticas de guerrilha, como escaramuças, para vencer os seus inimigos em combate, obtendo sempre uma vantagem numa luta assimétrica entre um exército profissional de uma grande potência e uma tropa rebelde com poucos recursos. Outro fato interessante é que, neste trecho, Plutarco chama a todos os escravos que atacaram os soldados romanos de gladiadores, que era o segmento que detinha a liderança das tropas rebeldes. O autor escreve que os romanos foram pegos desprevenidos, estavam despreparados, e ficaram aterrorizados com o ataque surpresa engendrado por Espártaco e seus comandantes. Diante do sucesso dos revoltosos, homens livres se uniram a eles e assumiram diversas funções, dentre elas também a de combater. Plutarco descreve um exército extremamente organizado. Trabalhadores rurais, como boiadeiros e pastores, foram os livres que se juntaram a Espártaco. Dentre os pastores é possível que existissem escravos pastores também e, assim como se deu com os livres, entre os escravos os rurais também foram a maioria a afluir para a revolta. Neste trecho também fica nítida a engenhosidade de Espártaco frente às adversidades.
A opção de Espártaco em sua estratégia militar de realizar uma guerra de guerrilha contra as tropas romanas possibilitou que o movimento armado resistisse por mais tempo e fosse acumulando forças, tanto numéricas quanto morais, com as sucessivas vitórias contra o exército da maior potência mundial. No entanto, esta era uma situação que não poderia se perpetuar indefinidamente e o combate em campo aberto, o enfrentamento direto entre as forças beligerantes não tardava a acontecer. Talvez se Espártaco tivesse sido bem-sucedido em seu plano de fugir para fora da Itália, sua tática tivesse sido realmente eficaz. Mas era uma tática a serviço de uma política e a não concretização da última, limitou as possibilidades de vitória a partir de uma tática de guerrilha. O prolongamento da revolta infundiu o medo na classe dominante romana, ampliou o exército rebelde, mas também levou o Senado romano a tratar a situação da maneira que era devido, reconhecendo a gravidade daqueles eventos. Espártaco foi, depois de Aníbal, aquele que mais ameaçou a República romana. Aníbal, Espártaco e Átila foram os três homens que mais aterrorizaram os romanos em toda a sua história, cada um desses personagens correspondendo a um momento-chave do desenvolvimento de Roma, isto é, a ascensão de Roma como a principal potência do Mediterrâneo, o século da crise da República romana e advento do Principado e a queda do Império Romano. Sendo assim, e isto fica bastante nítido quando analisamos os textos antigos, os romanos da época, em certo momento, tomaram consciência de que aquele não era mais um simples complô de escravos, mas sim uma guerra que exigia as melhores e mais disciplinadas tropas do exército romano e um grande general que estivesse à altura do desafio, colocando o poderio da máquina de guerra romana para reprimir a rebelião.
Crasso foi o instrumento político-militar da classe dominante na guerra contra os escravos. O rico e poderoso Licínio Crasso assumiu o comando das tropas e partiu para o esmagamento da revolta. O exército de Espártaco conseguiu realmente infundir o medo nas legiões romanas que se bateram contra os escravos rebeldes, por isso Crasso teve que disciplinar seu exército, com uma punição severa -  a dizimação:
  “Esta guerra, tão terrível para os romanos (embora ridicularizada e desprezada de início, como sendo meramente obra de gladiadores), já durava três anos. Quando chegou a época de eleger novos pretores, todos estavam temerosos, e ninguém ofereceu-se como candidato, até que Licínio Crasso, um homem reconhecido entre os romanos por nascimento e riqueza, assumiu a pretoria e marchou contra Espártaco com seis novas legiões. Quando chegou a seu destino, recebeu também as duas legiões dos cônsules, que ele dizimou por sorte, devido à má conduta deles em várias batalhas. Alguns dizem que Crasso, também, tendo comprometido na batalha todo seu exército, e tendo sido derrotado, dizimou todo o exército e não se desencorajou pelo seu número, mas destruiu aproximadamente 4000 deles. De qualquer modo que fosse, quando ele demonstrou, uma vez, que ele era mais perigoso para eles [soldados] do que o inimigo, dominou dez mil espartacanos, que estavam acampados em algum lugar em uma posição isolada, e matou dois terços deles. Ele, então, marchou ousadamente contra o próprio Espártaco, vencendo-o em uma batalha brilhante, e perseguiu suas forças em fuga até o mar, onde eles tentaram atravessar para a Sicília. Ele alcançou-os e cercou-os com fosso, um muro e paliçada.” (Apiano, As Guerras civis, XIV, 118)
            Sendo assim, esta segunda fase da guerra servil representou uma virada na correlação de forças, pendendo agora para o lado da aristocracia romana. Crasso aterrorizou seus soldados com sua crueldade para que eles tivessem mais medo dele do que do inimigo, combatendo, desse modo, a deserção em suas fileiras. Este aliado de Sila contrastava com um César, por exemplo, que posteriormente em suas campanhas na Gália inspiraria a bravura em seus soldados e conquistaria a sua lealdade, ao invés de estabelecer um regime de terror também entre as tropas. Mas esta era a norma do Estado até a demolição da constituição silana. De qualquer modo, os seus métodos acabaram surtindo efeito e o exército romano passou para a ofensiva derrotando os espartacanos em batalha. O castigo da dizimação, em desuso na época, foi o recurso do general Crasso para o restabelecimento da disciplina e empurrou Espártaco para o sul da Itália. A guerra servil não estava desconectada da guerra civile quando Pompeu retornava da Espanha vitorioso para encerrar a rebelião, Crasso se apressa em dar o combate definitivo, para colher para si a glória, mesmo a de uma guerra contra escravos.
O conflito chega ao fim com um desfecho trágico para os espartacanos:
               “... Crasso tentou de todas as maneiras dar combate a Espártaco para que Pompeu não pudesse colher a glória da guerra. O próprio Espártaco, pensando antecipar-se a Pompeu, convidou Crasso a entender-se com ele. Quando suas propostas foram rejeitadas com desprezo, ele resolveu arriscar uma batalha, e como sua cavalaria havia chegado, avançou com todo o seu exército através das linhas do exército que lhe fazia cerco, e avançou para Brundusium com Crasso perseguindo. Quando Espártaco soube que Lúculo acabara de chegar a Brundusium da sua vitória contra Mitrídates, perdeu toda esperança e trouxe suas forças, que eram então muito numerosas ainda, para perto das de Crasso. A batalha foi longa e sangrenta, como era de se esperar de tantos milhares de homens desesperados. Espártaco foi ferido na coxa por uma lança e ajoelhou-se, segurando seu escudo à sua frente e lutando assim contra seus atacantes até que ele e a grande massa dos que com ele estavam foram cercados e mortos. O resto de seu exército entrou em pânico e foi massacrado maciçamente. Tão grande foi a matança que se tornou impossível contar os mortos. Os romanos perderam mais ou menos mil homens. O corpo de Espártaco não foi achado. Muitos dos seus homens fugiram do campo de batalha para as montanhas, onde os seguiu Crasso. Eles se dividiram em quatro grupos, e continuaram a lutar até que todos pereceram, com exceção de seis mil que foram capturados e crucificados ao longo de toda a estrada de Cápua a Roma.” (Apiano, As Guerras Civis, XIV, 120)
Apiano fala de uma batalha difícil, na qual muitos romanos morreram, e que o próprio Espártaco lutou até a morte, assim como aqueles que com ele estavam. O corpo do líder do exército espartacano nunca foi encontrado. Antes do confronto direto, ele tentou todos os tipos de escaramuças e subterfúgios, buscando até mesmo um entendimento com Crasso, propondo um acordo, que foi pelo general romano rejeitado com desprezo, por se tratar das propostas de um escravo e não de um verdadeiro general, de um exército de escravos fugitivos e não do exército de outra nação, não sendo possível nem digno firmar tratados com tropas como as de Espártaco. Os rebeldes foram cercados por três generais – Crasso, Pompeu e Lúculo – e suas respectivas legiões. Os escravos sobreviventes, ao serem capturados, foram crucificados. A crucificação em massa se deu ao longo da Via Ápia, estrada que ia de Cápua a Roma, isto é, da cidade onde se iniciou a revolta até a capital do império, para que servisse de exemplo para todos os escravos da Itália e de todo império romano, para mostrar o que acontece com aqueles que desafiam a ordem estabelecida, com os escravos fugitivos e rebeldes, com aqueles que ameaçam a segurança dos cidadãos romanos e suas propriedades. O método do terror empregado aqui se justificava pela extensão da revolta e pelo risco que ela significou para Roma, com um potencial aumento da desordem escrava por todos os cantos na possibilidade de vitória dos rebeldes; era preciso sufocar impiedosamente qualquer foco de resistência e punir com uma morte cruel os sobreviventes feitos prisioneiros para que por meio do medo a tranqüilidade voltasse a reinar nos domínios romanos, mesmo que uma tranqüilidade apenas aparente e, no entanto, suficiente para o bom funcionamento da economia e da vida social e política romana. E foi assim que a maior fuga de escravos da História chegou ao fim. Sabemos que naquele contexto histórico e social uma revolução social liderada por escravos não estava colocada na realidade. No entanto, é importante investigar se era possível a vitória para o exército espartacano, não a vitória de uma hipotética revolta que teria como objetivo aquilo que só pôde ser formulado nos Tempos Modernos, mas uma conquista efetiva da liberdade para os participantes daquele movimento insurrecional.

A revolta de Espártaco e o sonho possível de liberdade
           
            As grandes revoltas de escravos da Antiguidade principiaram por motivos locais, mas, devido à conjuntura extremamente favorável, rapidamente se generalizaram em verdadeiras guerras contra o governo de Roma. A guerra civil que colocava em pólos opostos optimates epopulares e agora mais ainda os principais generais na disputa pelo poder, somada às guerras externas, como a que se deu contra Sertório na Espanha e Mitrídates na Ásia Menor, eram os elementos mais explosivos de um contexto político e social que impulsionava os escravos à revolta aberta, além das razões econômicas subjacentes e constitutivas deste processo, com um elevado grau de exploração dos escravos e o desenvolvimento acelerado do modo de produção escravista, bem como a sua consolidação nos moldes de uma grande produção escravista voltada para o mercado.
É nessa conjuntura que se insere a revolta de Espártaco. A passagem da passividade ou da resistência passiva para a revolta aberta criou novas possibilidades que não estavam originalmente no horizonte e forçaram com que todos os atores sociais, em especial os escravos rebeldes ultrapassassem as margens da estrutura social vigente. Se por um lado os espartacanos não obtiveram o mesmo sucesso dos escravos negros haitianos, por outro havia um caminho possível, uma política possível. O sonho possível de liberdade. A fuga para fora da Itália era a “revolução” que estes escravos eram capazes de realizar. Nada além da própria liberdade individual, conquistada de forma coletiva e pela luta armada, deixando, além disso, um cenário de destruição para trás e o germe da rebelião em cada escravo de Roma. Mas o sonho de uns era o pesadelo de outros. O fantasma da rebelião escrava continuava a assombrar a classe dominante romana desde a Primeira Revolta da Sicília e manifestava-se novamente, corporificado no general escravo, o gladiador liberto por si mesmo, Espártaco, líder de uma revolta servil no coração do império romano. Este era o pesadelo vivo das aristocracias romana, itálica e siciliana.
Em Lukács, podemos ver os limites estruturais do desenvolvimento da luta de classes nas sociedades pré-capitalistas e isto se aplica, portanto, à Antiguidade clássica e da consciência de classe das classes sociais subalternas de épocas que antecedem a Idade Contemporânea e os processos que levaram a ascensão das massas à política de maneira habitual e generalizada, com a Revolução Industrial, a Revolução Francesa e a Revolução Russa como momentos decisivos para o progresso político e social das camadas mais baixas da sociedade. Assim, a luta de classes na Antiguidade não se dava da mesma maneira que no capitalismo moderno. Na Antiguidade a exploração era extra-econômica, condicionando a consciência possível das classes sociais em luta. Além disso, as relações de classes revestiam-se de outros elementos ideológicos, jurídicos e religiosos, tendo os mesmos que intervir de forma constitutiva nas conexões econômicas:

“Resulta do que precede, para as épocas pré-capitalistas e para o comportamento no capitalismo de numerosas camadas sociais cuja vida tem fundamentos econômicos pré-capitalistas, que, pela sua própria natureza, a sua consciência de classe não é capaz, nem de tomar uma forma completamente clara, nem de influenciar conscientemente os acontecimentos históricos.
“Isto, antes de mais, porque é próprio da essência de toda a sociedade pré-capitalista nunca poder revelar com plena clareza (econômica) os interesses de classe; a organização da sociedade dividida em castas, em estados, etc., é tal que, na estrutura econômica objetiva da sociedade, os elementos econômicos se unem inextricavelmente aos elementos políticos, religiosos, etc. Só com a dominação burguesa, cuja vitória significa a supressão da organização em estados, se torna possível uma ordem social em que a estratificação da sociedade tende à pura e exclusiva estratificação em classes. (...) (LUKÁCS, 1974, p.69)
            As categorias jurídicas e econômicas são inseparáveis umas das outras nas formações sociais que antecederam o capitalismo. Isto se evidencia ainda no peso da coerção extra-econômica nas sociedades pré-capitalistas, sendo essencial para o exercício da própria dominação e funcionamento do sistema econômico.            Desse modo, os interesses econômicos não só se mantêm ocultos pela ideologia dominante, como outros fatores que não o econômico entram em campo na luta, sendo parte integrante do próprio conflito real; não se processam de forma clara lutas entre as classes, manifestando-se como embates entre castas, estados ou ordens dessas sociedades; esses elementos jurídicos que intervêm na estratificação e na hierarquização dessas sociedades e que desempenham um papel de grande relevância na exploração, aparecem igualmente nos momentos da luta de classes nas sociedades antigas. No entanto, o fato desses homens não terem se visto enquanto classe não quer dizer que de fato não o fossem. A exploração estava ali presente, era uma exploração econômica, mas exercida através de mecanismos extra- econômicos. E esta exploração era sentida e por isso combatida, sempre que foi possível, pelos explorados. A dominação econômica nas sociedades antigas é assim descrita por Lukács:
“(...) O Estado e o aparelho do poder de Estado não são para ela, um meio de impor, se necessário pela violência, os princípios da dominação econômica como acontece com as classes dominantes na sociedade capitalista (como é o caso da colonização moderna); não se trata de uma mediação da dominação econômica da sociedade, é imediatamente a própria dominação. E isto não ocorre apenas quando se trata pura e simplesmente de se apoderar de terras, escravos, etc, mas também nas relações “econômicas” ditas pacíficas.”(LUKÁCS, 1974, p.70)
Os limites históricos elencados e justificados por Lukács não devem nos fazer crer que seja possível determinar que o desfecho dos acontecimentos serianecessariamente da maneira que foi. Elementos estruturais e conjunturais se combinam e se influenciam mutuamente e se relacionam dialeticamente com aqueles da ordem dos eventos. Fatores estruturais articulam-se com uma sucessão de acasos e com fatores absolutamente contingenciais. As mudanças conjunturais, as viradas bruscas da política  ou a aceleração da dinâmica social podem criar novas possibilidades sociais, colocando em perspectiva um novo horizonte político e social. Nesse sentido, os subalternos podiam realizar, dentro de condições determinadas, mas que, ao mesmo tempo, podiam ser flexibilizadas pelo alargamento da estrutura social, uma política possível. Toda luta entre classes sociais distintas é uma luta política. E é no campo do conflito político, não necessariamente direcionado à tomada do poder, que podemos encontrar a ação efetiva das classes socialmente exploradas e oprimidas das sociedades pré-capitalistas. A combinação de elementos objetivos e subjetivos influenciando-se mutuamente fez com que, em muitos momentos, a ação dos grupos sociais transbordasse os limites objetivos de uma sociedade determinada numa época histórica determinada. Limites mais ou menos estreitos foram ao longo da História transpostos, abrindo um novo horizonte de perspectivas. Com base nessas premissas, podemos supor que os escravos espartacanos podiam alcançar uma vitória, a suavitória e não aquela que só estaria colocada nos séculos vindouros. Portanto, por mais que possamos considerar limitados os objetivos dos espartacanos a partir de uma perspectiva moderna, representavam a política possível naquele momento histórico e eles chegaram mais longe do que nenhum outro naquela estrutura social e contexto político e cultural. Desse modo, João José Reis é a melhor referência para a interpretação da luta empreendida pelos explorados nas sociedades anteriores ao capitalismo:
“A política tem sido considerada o universo dos homens livres das sociedades modernas. Os rebeldes que fizeram seus movimentos em contextos pré-industriais ou pré-capitalistas ganharam a denominação de rebeldes primitivos e seus movimentos foram chamados de pré-políticos. Essa terminologia de inspiração evolucionista, elaborada com certo cuidado por Eric Hobsbawn, já foi habilmente criticada por nossos antropólogos e historiadores. Eles colocaram as peças no lugar certo: não se trata de uma questão de “pré” ou “pós”, trata-se do diferente. Os “rebeldes primitivos” faziam a política que podiam fazer face aos recursos com que contavam, a sociedade em que viviam e as limitações estruturais e conjunturais que enfrentavam.” (REIS, 2009, p.99)

            Devemos ressaltar que diversos fatores influenciaram na derrota do exército de Espártaco: as divisões étnicas e tribais; a indisciplina das tropas; a inexperiência política e militar; a impossibilidade de articulação com amplos setores sociais, em especial do meio urbano, devido às perspectivas limitadas da revolta; o controle ideológico da classe dominante; o poderio militar da máquina de guerra romana, o seu exército numeroso, bem equipado e disciplinado; os erros, os obstáculos e traições no curso da fuga para fora da Itália. Dentre todos esses fatores nem todos estavam associados a uma lógica do sistema e a forças históricas invisíveis e incontornáveis, num determinismo empobrecedor de qualquer análise objetiva. Sem dúvida, muitos fatores estruturais contribuíram para que os rebeldes sucumbissem nas mãos dos romanos, mas acontecimentos comuns a qualquer conflito social ou guerra entre exércitos nas sociedades antigas ou em nossa época também cumpriram um papel de nenhuma maneira de pouca relevância, visto que certos eventos poderiam ter dado uma direção completamente distinta para o curso dos acontecimentos.

A mobilização dos escravos antigos: sentimento de classe, lampejos de consciência e consciência possível

            Os escravos eram equiparados no discurso ideológico greco-romano a animais e a instrumentos de trabalho, ferramentas que falam. A humanidade perdida no discurso vigente e também em sua prática social desumanizadora, a cada castigo sofrido, a cada noite dormida no ergástulo, a cada combate na arena com as feras era recuperada na  própria experiência de sua luta, a batalha que os escravos romanos travaram pela sua liberdade, e que ao conseguir obter vitórias sobre o governo romano e seu exército também era recuperada no discurso social. O processo de luta e de organização gerava uma nova realidade, na qual os rebeldes passavam por um processo de “desalienação” progressiva, ainda que limitada, ao se libertarem da exploração e da reificação, em especial na revolta que percorreu a Itália entre 73-71 a.C., que formou uma comunidade na qual todos eram livres e iguais, sob a liderança do ex-escravo gladiador Espártaco, alcançando assim o maior grau de liberdade que se poderia ter entre os grupos subalternos na Antiguidade.
            Uma análise comparativa da escravidão faz-se necessária para iluminar o nosso objeto de pesquisa, enriquecendo a nossa explicação e buscando responder as indagações feitas através de todos os recursos possíveis, contornando a escassez de fontes e traçando um paralelo entre os estudos do escravismo antigo com os estudos do escravismo colonial.
            O escravo era tratado de maneira diferente daquele tratamento conferido ao homem livre, tanto na Roma antiga quanto no Brasil colonial, segundo um historiador que analisou o escravismo colonial, Jacob Gorender. A violência sofrida pelos escravos era um elemento fundamental no seu estatuto de propriedade de outrem. O fato de um  senhor poder dispor como bem entender do corpo de seu escravo, uma mercadoria comprada por ele, também expressava esta tentativa de coisificá-lo. No entanto, a própria legislação penal, a qual também os escravos estavam submetidos, forçosamente os reconhecia como homens que deviam, como seres humanos, responder pelos seus atos. Sobre isso Gorender afirma:
“O primeiro ato humano do escravo é o crime, desde o atentado contra seu senhor à fuga do cativeiro. Em contrapartida, ao reconhecer a responsabilidade penal dos escravos, a sociedade escravista os reconhecia como homens: além de incluí-los no direito das coisas, submetia-os à legislação penal. Essa espécie de reconhecimento tinha, está claro, alto preço. Os escravos sempre sofreram as penas mais pesadas e infamantes. As mutilações não só foram previstas pelo direito romano como também pelo Código Filipino português e pelas várias legislações penais das colônias americanas, num momento ou noutro, inclusive o Brasil. Mas a pena mais cruel, justamente por ser uma pena, implicava o reconhecimento de que se punia um ser humano.” (GORENDER, 1978, p.65)
            Podemos perceber no fragmento a comparação entre a escravidão na Antiguidade e a escravidão no Novo Mundo. O estudioso da escravidão moderna depara-se constantemente com a necessidade de se remeter ao escravismo “original”.Por que não apoiar-se em elementos e análises relativos ao seu “parente” distante no espaço e no tempo, o escravismo colonial? A tese que defendemos neste trabalho também é levantada por Gorender em seus breves apontamentos sobre a escravidão na Roma antiga:
            “O escravo conseguiu o reconhecimento como sujeito de delito e também como objeto de delito. Sua vida teve de ser protegida ao menos na letra da lei, julgada assim um bem pessoal e não apenas a qualidade objetiva de coisa semovente. A evolução do direito romano é, neste particular, típica. Durante o período republicano, o senhor romano dispunha da vida do escravo, podendo torturá-lo e matá-lo impunemente ao seu arbítrio (jus vitae et necis). Sêneca, na sua obra Da Ira, contestou o direito de vida e morte sobre o escravo, sendo de supor que o estoicismo haja dado forma ideológica, no seio da classe dominante romana, à repercussão das reações dos próprios escravos, sobretudo os grandes levantes na Sicília e na Itália continental, nos dois últimos séculos da República. Com Antonino Pio, a legislação do Império considerou crime de homicídio a morte, sem justo motivo, do escravo próprio, como já o era a do escravo alheio pela Lei Cornélia. O escravo também ganhou o direito de reclamar a mudança de senhor no caso de sevícias. A legislação imperial proibiu o envio de escravos à arena do circo para combate contra feras.” (GORENDER, 1978, p.66)  
            Apesar da importância de se destacar as semelhanças entre as escravidões antiga e moderna, a diferença fundamental entre o significado histórico e social de cada uma também deve ser posta em relevo e Aldo Schiavone é quem aborda da melhor maneira, de acordo com a bibliografia levantada para a confecção deste artigo, a distinção básica entre o sistema escravista romano e a escravidão no Novo Mundo:
“As escravidões modernas, todas originalmente coloniais – no Brasil, nas ilhas do Caribe e também no Sul dos Estados Unidos – afirmaram-se e consolidaram-se por razões peculiares (a escassez de mão-de-obra no Novo Mundo, a penetração europeia contemporânea ao longo da costa da África ocidental) em cenários rurais relativamente periféricos, senão mesmo marginais, com relação ao centro cada vez mais manufatureiro e industrial da nova economia europeia e atlântica; seus problemas foram sobretudo de compatibilidade com um modo de produção bem mais expansivo e dominante, baseado exclusivamente no trabalho livre.
“Pelo contrário, o sistema escravista romano representou − no tocante aos resultados e à organização – de longe a forma econômica mais avançada e unificada dentre as civilizações antigas: o verdadeiro centro propulsor de toda a economia mediterrânea, e sempre foi, do ponto de vista produtivo, substancialmente sem alternativas, tanto teóricas quanto práticas. (...)” (SCHIAVONE, 2005, p.168)
            Desse ponto de vista, o caso romano é exatamente o oposto do caso americano. O escravismo romano representou o auge do desenvolvimento econômico do Mundo Antigo. O caso da escravidão na América, por outro lado, representou um equilíbrio contraditório entre interdependência e rivalidade, sendo o motor do desenvolvimento da sociedade escravista nas colônias americanas as sociedades que apareciam como sua alternativa e, portanto, sua ruína. Na Antiguidade não havia esta alternativa histórica e nem a possibilidade histórica de substituição de um modo de produção em crise por um novo modo de produção que fosse parte de uma tendência progressista na realidade econômica e social. O trecho citado de Schiavone também serve de ponte para a discussão que nos interesse neste tópico que é dos possíveis movimentos da consciência das classes sociais subalternas, ou neste caso dos escravos antigos, e da identidade de classe e como ela surge e se expressa.
            Os escravos antigos não tinham organizações perenes, como sindicatos ou partidos, como o proletariado moderno, ou mesmo instituições e organizações políticas como as criadas pelos plebeus no curso de sua luta contra a nobreza patrícia e que se integraram ao Estado Romano. Cada luta começava do zero. Eles não tinham também intelectuais orgânicos que formulassem uma teoria e um programa revolucionários. Já vimos que, muitas vezes, era religião compartilhada pelos escravos que funcionava como programa. Além disso, conforme Schiavone, nunca existiu uma alternativa do ponto de vista produtivo, nem na teoria nem na prática. Com isso, tornava-se impossível para os escravos rebeldes transformar sua revolta numa verdadeira revolução social sem formas revolucionárias, mesmo que embrionárias, na realidade social vigente ou teorias revolucionárias que surgissem de um contexto específico e se alicerçasse numa classe social progressista ou numa aliança de classes revolucionárias e progressistas. Não existia, portanto, a possibilidade histórica de chegarem à consciência de classe e, por conseguinte, ao programa político da revolução social. Sendo assim, os escravos que se levantaram na Roma antiga desenvolveram um certo grau de consciência, que poderia ser classificado, de acordo com os conceitos forjados pelos estudiosos e teóricos marxistas, como um sentimento de classe. Nessa identidade de classe surgida do processo de luta contra a situação de escravidão dos envolvidos nas rebeliões confundia-se a consciência social com todas as influências culturais e religiosas. Todos estes elementos combinados numa situação histórica determinada, produto de uma conjuntura específica, configuravam a psicologia de classe dos escravos rebeldes. Apesar da proximidade e similaridade dos conceitos, preferimos o conceito sentimento de classe no lugar de psicologia de classe por expressar com maior exatidão o processo de experiência dos sujeitos, que formavam, nestas circunstâncias, o sujeito social da luta libertária (talvez seja um termo mais adequado diante da inexatidão do uso luta antiescravista ou revolucionária, sendo tentador de fato, mas que não corresponde à realidade). A idéia de identidade também é mais forte no conceito de sentimento de classe. O sentir da classe é um conceito que aparece primeiro em Lênin e depois é desenvolvida por Raymond Williams. A idéia de sentimento se relaciona com a de lampejos de consciência, mas transmite uma certa estabilidade num tempo determinado, enquanto que lampejo remete a algo episódico, explosivo. De qualquer modo, a ênfase numa definição que evidencie o caráter dinâmico e processual da realidade norteia este trabalho e aponta um caminho que nos parece mais interessante. Em nossa análise, vimos que as revoltas eram desarticuladas entre si e isto demonstra, de fato, uma ausência de uma organização em termos territoriais mais amplos, sendo rebeliões locais, que, dependendo do seu desenvolvimento, podiam estender-se para além da região onde haviam se iniciado. Porém, mesmo neste nível regional, algumas delas, chegavam a um grau de organização relativamente elevado. Partindo do exemplo das lutas operárias (o método marxista é o da análise concreta, o abstrato se relaciona com o empírico, sem uma excessiva esquematização e cristalização desses mesmos esquemas em formas atemporais e dissociadas do contexto social que deu origem aos mesmos conceitos, o que não invalida a utilização dos mesmos em outras situações, considerando as devidas precauções para evitar os anacronismos e as generalizações estéreis), Lênin lança uma luz sobre a dinâmica das lutas e da consciência das classes sociais subalternas:
“(...) Houve, na Rússia, greves nas décadas de 1870 e 1880 (e mesmo na primeira metade do século XIX), que foram acompanhadas da destruição “espontânea” de máquinas etc. Comparadas a esses “tumultos”, as greves após 1890 poderiam mesmo ser qualificadas de “conscientes”, tal foi o progresso do movimento operário nesse intervalo. Isto nos mostra que o “elemento espontâneo”, no fundo, não é senão a forma embrionária consciente. Os tumultos primitivos já traduziam certo despertar da consciência: os operários perdiam sua crença costumeira na perenidade do regime que os oprimia; começavam... não direi a compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência coletiva, e rompiam deliberadamente com a submissão servil às autoridades. Era, portanto, mais uma manifestação de desespero e de vingança que de luta. As greves após 1890 mostram-nos melhor os lampejos de consciência: formulam-se reivindicações precisas, procura-se prever o momento favorável, discutem-se certos casos e exemplos de outras localidades etc. Se os tumultos constituíam simplesmente a revolta dos oprimidos, as greves sistemáticas já eram o embrião – mas, nada além do embrião – da luta de classe. Tomadas em si mesmas, essas greves constituíam uma luta sindical, mas não ainda social-democrata: marcavam o despertar do antagonismo entre operários e patrões; porém, os operários não tinham, e não podiam ter, consciência da oposição irredutível e de seus interesses com toda a ordem política e social existente, isto é, a consciência social-democrata. Nesse sentido, as greves após 1890, apesar do imenso progresso que representaram em relação aos “tumultos”, continuavam a ser um movimento essencialmente espontâneo.” (LÊNIN, 1988, p.24)
Para o autor, o elemento “espontâneo” (e é o próprio autor que coloca entre aspas o termo), que pode ser percebido desde as manifestações individuais, na sabotagem aos equipamentos de trabalho e para aquele que é explorado também de opressão e de exploração, já é uma forma embrionária consciente que, mesmo nos tumultos mais simples, já se traduz um “certo despertar da consciência”. Aqui também aparece a idéia de sentimento, quando se fala que a classe passa a “sentir a necessidade de uma resistência coletiva”, rompendo “deliberadamente com a submissão servil às autoridades”, o que pode ser visto na revolta da Sicília, quando os escravos do proprietário Damófilo se rebelar e matam o seu senhor, ou na revolta de Espártaco, quando estoura o levante dos gladiadores na escola de Cápua. Ao se iniciarem revoltas, fosse para negociar ou talvez mesmo no caso de uma ruptura limitada e parcial, inaugurava-se um novo momento que era “o despertar do antagonismo”, mostrando melhor os “lampejos de consciência”. Ainda nesse caso, não se trata para Lênin de uma luta de classe, sendo apenas o seu embrião, o germe de uma verdadeira luta política. Neste ponto é importante frisar que as rebeliões servis simbolizaram a forma mais extrema da luta de classes empreendida por uma classe socialmente explorada e submetida à exploração extra-econômica das classes dominantes. Isto é assim porque não podemos exigir das classes exploradas sempre o “programa máximo”, sendo realizada por elas a luta política possível e efetiva num dado sistema econômico-social. O sentir da classe mencionado foi fundamental para instrumentalizar os revoltosos em seus levantes, não com um programa científico, mas com as informações, paradigmas, idéias de liberdade que se manifestavam através do pensamento religioso, por exemplo, no culto a Dionísio. O “não quero” destes escravos também teve importante significado político, na medida em que rompia com aquilo que era o cerne do paradigma escravista e abalava a estabilidade do seu regime político-social, ao pôr em xeque a sua dominação de classe por meio da revolta aberta e mais do que isso com objetivos políticos claros, que não conduziam, naquela realidade histórica, à abolição da escravidão. Raymond Williams desenvolve o tema relação entre as classes e as realidades objetivas em que se inserem e o conceito de estruturas de sentimento das classes que responde de modo mais satisfatório aos problemas teóricos de nossa análise:
“Tais modificações podem ser definidas como modificações nas estruturas de sentimento. O termo é difícil, mas “sentimento” é escolhido para ressaltar uma distinção dos conceitos mais formais de “visão de mundo” e “ideologia”. Não que tenhamos apenas de ultrapassar crenças mantidas de maneira formal e sistemática, embora tenhamos sempre de levá-las em conta, mas que estamos interessados em significados e valores tal como são vividos e sentidos ativamente, e as relações entre eles e as crenças formais ou sistemáticas são, na prática, variáveis (inclusive historicamente variáveis), em relação a vários aspectos, que vão do assentimento formal com dissentimento privado até a interação mais nuançada entre crenças interpretadas e selecionadas, e experiências vividas e justificadas. Uma definição alternativa seriam as estruturas de experiências: num certo sentido, a melhor palavra, a mais ampla, mas com a dificuldade de que um dos seus sentidos tem o tempo verbal do passado que é o obstáculo mais importante ao reconhecimento da área da experiência social que está sendo definida. Falamos de elementos característicos do impulso, contenção e tom; elementos especificamente afetivos da consciência e das relações, e não de sentimento em contraposição ao pensamento, mas de pensamento tal como sentido e sentimento tal como pensado: a consciência prática de um tipo presente, numa continuidade viva e inter-relacionada. Estamos então definindo esses elementos como uma “estrutura”: como uma série, com relações internas específicas, ao mesmo tempo engrenadas e em tensão. Não obstante, estamos também definindo uma experiência social que está ainda em processo, com freqüência ainda não reconhecida como social, mas como privada, idiossincrática, e mesmo isoladora, mas que na análise (e raramente de outro modo) tem suas características emergentes, relacionadoras e dominantes, e na verdade suas hierarquias específicas. Essas são, com freqüência, mais reconhecíveis numa fase posterior, quando foram (como ocorre muitas vezes) formalizadas, classificadas e em muitos casos incorporadas às instituições e formações. Mas já a essa altura o caso é diferente: uma nova estrutura de sentimento já terá começado a se formar, no verdadeiro presente social.” (WILLIAMS, 1988, pp.134-135)
            O “despertar da consciência” e o “sentir da classe” manifestam-se e assumem contornos mais nítidos conforme se acentua o antagonismo entre escravos e senhores e no decurso do seu processo de experiência na luta concreta. Esta análise conceitual ajusta-se melhor às particularidades do nosso tema. Iniciamos a tarefa de compreensão do nosso objeto pelos conceitos fornecidos pelo próprio Marx, presentes no estudo concreto do campesinato francês do século XIX, assim como os escravos antigos uma classe social pré-capitalista, mas já num contexto capitalista. Uma classe social que é uma classe em si, mas não é uma classe para si. Uma classe que não é classe. Uma classe do ponto de vista objetivo, estrutural, da existência, mas não da consciência e de um sentido de identidade, pertencimento. Apesar de se dirigir a uma situação específica, este argumento de Marx pode ser seguramente estendido para a maioria das classes sociais subalternas nas sociedades pré-capitalistas:
“Os pequenos camponeses constituem uma imensa massa, cujos membros vivem em condições semelhantes mas sem estabelecerem relações multiformes entre si. Seu modo de produção os isola uns dos outros, em vez de criar entre eles um intercâmbio mútuo. Esse isolamento é agravado pelo mau sistema de comunicações existente na França e pela pobreza dos camponeses. Seu campo de produção, a pequena propriedade, não permite qualquer divisão do trabalho para o cultivo, nenhuma aplicação de métodos científicos e, portanto, nenhuma diversidade de desenvolvimento, nenhuma variedade de talento, nenhuma riqueza de relações sociais. Cada família camponesa é quase auto-suficiente; ela própria produz inteiramente a maior parte do que consome, adquirindo assim os meios de subsistência mais através de trocas com a natureza do que do intercâmbio com a sociedade. Uma pequena propriedade, um camponês e sua família; ao lado deles outra pequena propriedade, outro camponês e outra família. Algumas dezenas delas constituem uma aldeia, e algumas dezenas de aldeias constituem um departamento. A grande massa da nação francesa é, assim, formada pela simples adição de grandezas homólogas, da mesma maneira por que batatas em um saco constituem um saco de batatas. Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas que as separam umas das outras, e opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhões constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política, nessa exata medida não constituem uma classe. São, consequentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome, quer através de um Parlamento, quer através de uma convenção. Não podem representar-se, têm que ser representados. (...)” (MARX, 1974, pp.402-403)
            É, sem dúvida, uma definição correta em linhas gerais, mas como vimos, não é capaz de exprimir em profundidade a dinâmica de mudanças sociais e no próprio ser da classe em questão. Mas ainda é preciso abordar de forma sucinta as lideranças e a base dos exércitos rebeldes e as condições sob as quais eles se moveram.
A esmagadora maioria dos escravos era composta pelos escravos rurais, que foram a base dos exércitos de escravos rebeldes, que tiveram como vanguarda de seu movimento os setores que tinham acesso a armas, como pastores e gladiadores. A participação de alguns escravos de tipo urbano e de escravos domésticos na liderança das revoltas, como Espártaco e Euno – um gladiador e um escravo doméstico – respectivamente, forneceu a estes movimentos os quadros que necessitavam para sua direção. A capacidade de Espártaco na estratégia é justificada por Apiano por sua participação no exército romano, inclusive, por mais que esta afirmação pareça muito mais uma forma de justificar e explicar, de acordo com a ideologia escravista, como um escravo poderia ser um general melhor que muitos dos melhores generais romanos. Apesar da situação extrema de opressão sob a qual viviam os escravos, isto é, apesar de suas condições objetivas de existência propícias para a eclosão de levantes, as condições para a organização de uma revolta eram muito difíceis, pois os escravos viviam sob forte vigilância, acorrentados e com pouca oportunidade de comunicação. Nas cidades existiam muitas das condições objetivas favoráveis para a organização de uma revolta, como maior mobilidade, liberdade de movimentos, facilidade para a comunicação e alguns elementos subjetivos também como o acesso a bens culturais importantes, conhecimentos, elementos que influenciam na organização e na construção de um programa mais coerente para um movimento e sua articulação; no entanto, as melhores condições de vida e a expectativa de uma vida melhor e da própria obtenção da liberdade não motivavam os escravos a arriscar tudo em uma revolta, o que poria sob risco as chances pacíficas de se obter a liberdade, por meio da emancipação; ou seja, onde havia algumas das condições objetivas − dizemos algumas porque também não há dúvida de que os instrumentos da repressão direta (armada ou judiciária) estivessem mais concentrados nas zonas urbanas −, não havia condições subjetivas (cidade) e onde havia condições subjetivas, não havia condições objetivas (campo). Neste último caso, estamos enfatizando os aspectos ideológicos e os aspectos político-organizacionais das revoltas, pois o controle dos senhores sobre os escravos por meios que não se restringiam à repressão direta eram maiores nos centros urbanos. Por outro lado, os escravos dos ergástulos, embora com maiores restrições aos seus movimentos e uma limitação real à sua capacidade de articulação política, tinham condições de existência que os impulsionavam, como sua situação de miserabilidade e as violências constantes, sem perspectivas de conseguir mudar o seu status social por meio da manumissão. A vanguarda armada destas revoltas cumpriu o papel de criar as condições necessárias para o levante da massa dos escravos rurais, desestabilizando governos e tomando ou saqueando propriedades de senhores. Somente quando as condições objetivas e subjetivas se encontraram e numa conjuntura extremamente favorável é que as grandes revoltas de escravos de fato ocorreram.
Uma noção mais rígida em relação aos escravos presente em Catão ou na teoria da escravidão natural de Aristóteles, que foi o grande paradigma escravista da Antiguidade, foi posta em xeque pela eclosão das revoltas servis dos séculos II e I a.C. e a forma com que as mesmas se desenvolveram, ameaçando o modo de vida e as propriedades romanas. A teoria da escravidão natural baseava-se no direito do vencedor sobre os vencidos e no direito que o vencedor tinha de escravizar os povos vencidos e conquistados. Além disso, ressaltava as supostas diferenças existentes entre aqueles que nasceram para ser livres, senhores e cidadãos e aqueles que nasceram para servir:
“Qualquer ser humano que, por natureza, pertença não a si mesmo mas a outro é, por natureza, escravo; e um ser humano pertence a outro sempre que fizer parte da propriedade, ou seja, uma parte da propriedade que é um instrumento para a ação de seu senhor.” (Aristóteles, Política 1254 a 4-18)
Embora esta teoria não tenha predominado, pelo menos não de maneira absoluta, sequer na República romana, foi, sem sombra de dúvida, a maior tentativa de sistematizar e de explicar a escravidão no Mundo Antigo. De qualquer modo, servia de parâmetro e ponto de partida de qualquer intelectual grego e romano, pelo menos até o fim do regime republicano na Roma antiga. Partindo desta exposição de Aristóteles até os escritos de Plutarco e Apiano, podemos perceber a evolução da visão da classe dominante acerca dos escravos. O fato dos servos de Roma terem alcançado o máximo de consciência possível e expressado de forma violenta e massiva o seu “não quero” forçou a classe dominante romana a reconhecer a sua humanidade e a temer que a classe mais baixa da hierarquia social do império romano viesse a tentar subverter a ordem. Devemos, portanto, para compreender melhor o tema, relacionar a consciência possível com a experiência social e como determinadas conjunturas abrem uma janela histórica que permite que os atores políticos produzam novas alternativas, transbordando as margens mais ou menos estreitas de uma dada formação econômico-social. Lucien Goldmann define consciência real e consciência possível e através dessas definições poderemos traçar a relação dialética entre ambas e como isso se traduz em momentos em que as oportunidades geradas pela dinâmica social podem alargar o campo de possibilidades antes delimitado:
“A consciência real resulta de múltiplos obstáculos e desvios que os diferentes fatores da realidade empírica opõem e infligem à realização dessa consciência possível. Assim como é essencial para compreender a realidade social não mergulhar e não confundir a ação do grupo social essencial, a classe, na infinita variedade e multiplicidade das ações de outros grupos e até dos fatores cósmicos, também é essencial separar a consciência possível duma classe de sua consciência real num certo momento da história, resultante das limitações e dos desvios que as ações dos outros grupos sociais assim como os fatores naturais e cósmicos inflige a essa consciência de classe.
O homem se define por suas possibilidades, por sua tendência para a comunidade com outros homens e para o equilíbrio com a natureza. A comunidade autêntica e a verdade universal exprimem essas possibilidades por longuíssimo período da história; a “classe por si” (oposta à classe em si), o máximo de consciência possível, exprimem possibilidades no plano do pensamento e da ação numa estrutura social dada. (...)” (GOLDMANN, 1967, p.99)
            Aqui se trata unicamente de verificar o nível de consciência de uma classe social em cada momento específico (psicologia de classe) da sua consciência possível (consciência de classe). Vimos ao longo do texto que a consciência possível dos escravos antigos vai muito além daquilo que os teóricos e historiadores mais tradicionais delimitaram em princípio. Mas devemos ir mais longe. É possível que os escravos antigos tenham, em um determinado momento, ultrapassado os limites estruturais de sua sociedade e avançado para uma próxima etapa social e um grau mais elevado de sua consciência, expandindo o seu horizonte de expectativas? O igualitarismo do espartacanos e a reorganização administrativa da ilha da Sicília empreendida pelos rebeldes parece sugerir que sim. O caráter singular da ruptura realizada por essas revoltas as distingue de todas as rebeliões servis de seu tempo.
            Keith Bradley, ao comparar as revoltas de escravos na Antiguidade clássica com as revoltas de escravos no Novo Mundo, aponta para a excepcionalidade de rebeliões escravas como a de Espártaco e a do Haiti:
“No entanto, seja numa grande escala ou num nível mais reduzido, como a conspiração do ano 24 d.C. organizada no sul da Itália por um antigo membro da guarda pretoriana, as revoltas de escravos foram muito escassas depois de Espártaco, pelo que muitos estudiosos tem considerado que não havia nenhum motivo para se sublevar. A principal falha desta tese é supor falsamente que a revolta era a única via de que dispunham os escravos e que, em sua ausência, reinava a calma. No Novo Mundo, as revoltas de escravos foram particularmente virulentas no Caribe, porém no Brasil ou nos Estados Unidos, como em Roma, foram pouco freqüentes. Na realidade, não se presencia uma revolta parecida com a de Espártaco até princípios do século XIX, quando o movimento de escravos liderado em Santo Domingo por Toussaint L´Ouverture cria o moderno Estado do Haiti. (...)” (BRADLEY, 1998, pp.137-138)
            A relevância do trabalho de Bradley reside no fato de que ele nos ajuda a dissipar a ilusão de que a ocorrência de insurreições escravas na América tenha sido tão infinitamente superior como se poderia supor. A realidade é que revoltas como a de Espártaco e do Haiti são eventos extraordinários e que ultrapassam os limites estruturais vigentes impulsionados por conjunturas igualmente excepcionais, tornando-os únicos, num contexto em que as dificuldades de organização de levantes desse tipo, diante dos riscos de traição e do medo dos castigos que certamente recaem sobre os escravos rebeldes que, porventura, sejam derrotados em sua luta, fazem da revolta aberta a menos adotada pelos escravos, o que não significa que o sentimento de rebelião não seja permanente. Mesmo que não fossem tão espetaculares, as demais formas de luta empreendidas pelos escravos causavam sérios prejuízos ao sistema social que dependia desta força de trabalho, sendo um fator de crise importante para o regime escravista. Os escravos podiam realizar o seu trabalho mais lentamente, recorrer a pequenas sabotagens ou fugir, por exemplo, sendo formas de resistência escrava mais comuns. Os escravos fugidos muitas vezes dirigiam-se ou formavam comunidades rebeldes independentes em localidades geograficamente remotas que aqui no Brasil ficaram conhecidas como quilombos, também comuns na Jamaica e no Suriname. A fuga era a principal forma de resistência dos escravos, sendo em geral individual, mas muitas vezes também coletiva e com a formação de comunidades.
            Por fim, se por um lado os escravos antigos nunca desenvolveram uma genuína consciência de classe, por outro eles chegaram a uma consciência política e uma identidade social que transcendiam as diferenças étnicas, que por mais que permanecessem e se manifestassem nas disputas políticas existentes no interior desses movimentos, não impediam a organização de todos aqueles que sofriam a mesma exploração.


Conclusão

            A contestação prática da ideologia escravista romana foi a grande vitória simbólica das insurreições escravas dos séculos II e I a.C. Se não podemos falar de na substituição de uma visão de mundo que percebia os escravos como seres inferiores, podemos, ao menos, dizer que essas revoltas produziram uma fissura no paradigma ideológico vigente, que tinha suas bases na teoria da escravidão natural de Aristóteles e no discurso escravista de intelectuais romanos como Catão.
Devemos destacar que se a crise e queda do Império foram acompanhadas pela crise do escravismo antigo, a crise da República foi acompanhada de seu florescimento, da sua implantação em ritmo acelerado, gerando mudanças sociais profundas, abalando as velhas estruturas da república oligárquica. Na medida em que não existia um aparelho burocrático em todos os seus aspectos – político, jurídico, administrativo e militar – totalmente adequado para regular essa nova economia e as novas relações sociais que com ela se desenvolviam, a eclosão de uma série de conflitos que marcaram os séculos II e I a.C., sendo o último século da República marcado pelos mais graves confrontos entre os cidadãos romanos da classe dominante, especialmente, os romanos e seus aliados e os senhores e seus escravos. O Principado foi, então, um ajuste político-administrativo que correspondia às transformações econômico-sociais do período em que explodiram a revolta de Espártaco, a Guerra Social e a Conjuração de Catilina. Desse modo, as grandes revoltas de escravos acabaram tendo uma influência importante sobre o fim da república e surgimento do Principado, senão de maneira direta e decisiva, pelo menos de uma maneira indireta, como forma de contenção daqueles que eram a principal força produtiva da economia romana.
No século I d.C. a estabilização político-social já havia sido empreendida por Augusto e as grandes rebeliões servis ficaram no passado republicano da sociedade romana, mas o medo da rebeldia dos escravos e de sua vingança contra os proprietários continuou a povoar o imaginário da aristocracia reinante no regime imperial, refletindo-se nas obras dos principais escritores dos primeiros séculos do Principado.




















INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

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