O universo de deuses e
heróis da mitologia grega serviu de inspiração para as narrativas que serão
apresentadas em sala de aula. Para os gregos antigos, a imortalidade traçava
uma fronteira entre os deuses e os homens. Os deuses gregos eram imortais. De
acordo com o historiador Jean-Pierre Vernant, “é pela voz dos poetas que o
mundo dos deuses, em sua distância e sua estranheza, é apresentado aos
humanos”. As narrativas de Homero e de Hesíodo sobre os seres divinos
funcionaram como modelos de referência para os autores que vieram depois deles.
As obras da poesia épica serviram como instrumentos de conservação e
comunicação do saber. Diz Vernant: “A atividade literária, que prolonga e
modifica, pelo recurso à escrita, uma tradição antiquíssima de poesia oral,
ocupa um lugar central na vida social e espiritual da Grécia”. Tanto a poesia
épica quanto os contos populares estiveram ligados no início a uma tradição
oral. As histórias mais antigas já contadas têm suas origens em sociedades que
ainda não conheciam a escrita. E até hoje, o ato de contar histórias, reais ou
lendárias, se faz por meio da oralidade e na presença do outro, na maioria das
vezes.
As histórias mais famosas
de todos os tempos foram (e são ainda) as histórias de heróis. Vernant diz que
os heróis “pertencem à espécie dos homens e, como tais, conheceram os
sofrimentos e a morte. Mas, por toda uma série de traços, distinguem-se, até na
morte, da multidão dos defuntos comuns. Viveram numa época que constitui, para
os gregos, o ‘antigo tempo’ já acabado e no qual os homens eram diferentes
daquilo que são hoje: maiores, mais fortes, mais belos”. Alguma semelhança com
os nossos super-heróis de hoje? Talvez uma: nas nossas histórias de
super-heróis, eles são nossos contemporâneos. Mas, tirando isso, são como os
heróis da mitologia grega, belos, fortes, mais inteligentes e melhores que os
demais mortais em vários aspectos. Continuando sobre esse tema do herói,
escreve Vernant: “Mesmo sendo homens, sob vários pontos de vista esses
ancestrais aparecem mais próximos dos deuses, menos separados do divino do que
a humanidade atual. Nesse tempo passado, os deuses ainda se misturavam de bom grado
aos mortais, convidavam-se para a casa destes, comiam às suas mesas em
refeições comuns, insinuavam-se até mesmo às suas camas para unir-se a eles e,
no cruzamento das duas raças, a perecível e a imortal, gerar belos filhos. Os
personagens heroicos cujos nomes sobreviveram e cujo culto era celebrado em
seus túmulos apresentam-se muito frequentemente como o fruto desses encontros
amorosos entre divindades e humanos dos dois sexos”. Desse modo, os chamados
semideuses eram filhos de mortais com deuses e deusas. Alguns homens também
podiam ser elevados ao status de herói. Além das figuras lendárias, dos
primeiros fundadores de colônias e de personagens que adquiriram um valor
simbólico exemplar aos olhos dos habitantes de uma determinada cidade grega,
havia também heróis anônimos, como escreve Vernant: “Existem heróis anônimos,
designados apenas pelo nome do lugar onde foi estabelecido seu túmulo; é o caso
do herói de Maratona”.
A Mulher-Maravilha talvez
seja a super-heroína mais inspirada nas narrativas da mitologia grega. No livro
de Matthew Manning, a Mulher-Maravilha é descrita assim: “Metade humana e
metade deusa, Mulher-Maravilha é filha de Zeus e Hipólita – rainha das Amazonas
– e foi treinada desde o seu nascimento para ser uma representante de Themyscira
para o mundo humano”. Quer dizer, a super-heroína é um exemplo clássico de mito
recriado para a modernidade, é uma atualização do mito das amazonas para a
época contemporânea. Não foi por acaso que a Mulher-Maravilha se tornou um
símbolo feminista nos dias de hoje. Ela faz questão de lembrar que as mulheres
não são o sexo frágil que o discurso dominante afirma. As míticas amazonas são
guerreiras habilidosas e corajosas. A semideusa é o maior exemplo de adaptação
dos mitos gregos para as narrativas heroicas de nosso tempo.
Mas os super-heróis do
presente não permaneceram completamente presos aos paradigmas clássicos. O grupo
de heróis mutantes, X-Men, que contou com Chris Claremont por mais de quinze
anos como argumentista das histórias desses super-heróis tem um tom bem
diferente, inclusive nas definições do que é ser herói e do que é ser vilão. Em
uma entrevista publicada em 1995 na revista X-Men no Brasil, o autor fala sobre
o personagem Magneto: “Magneto não pode ser definido em termos de herói ou vilão.
Ele é um homem com um projeto de vida, uma ideologia. Ele é alguém que, se você
quiser uma analogia mais contemporânea, está para Malcolm X [...] assim como
Charles Xavier está para Martin Luther King [...]. Ele não confia no mundo. Ele
crê que confiar na humanidade é pedir para ser traído por ela. [...] Da
perspectiva de alguém que passou sua juventude num campo de extermínio em
Auschwitz, ele é extraordinariamente amargo e cético”. Sendo assim, numa
sociedade tão complexa como a nossa, a complexidade e a ambiguidade dos
personagens são cada vez mais acentuadas.
Considerando que a moda
dos filmes de super-heróis tem levado uma massa gigantesca de pessoas aos
cinemas no mundo todo, batendo esses filmes todos os recordes de bilheteria, é
preciso trazer isso para a sala de aula, e é nesse contexto que as narrativas
que vamos ver sobre os mitos gregos e romanos e sobre algumas das maiores
personalidades históricas da Grécia e da Roma antigas se inserem.
Referências:
CLAREMONT,
Chris. “Entrevista com Chris Claremont”. In: X-MEN n° 77: O fim de uma era, pp.48-52. São Paulo: Editora Abril
Jovem, 1995.
MANNING, Matthew
K. O Mundo da Mulher-Maravilha. Rio
de Janeiro: Ediouro Publicações, 2017.
VERNANT,
Jean-Pierre. Mito e Religião na Grécia
Antiga. Tradução: Joana Angélica D´Avila Melo. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2006.
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