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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

DEUSES, HERÓIS E SUPER-HERÓIS



O universo de deuses e heróis da mitologia grega serviu de inspiração para as narrativas que serão apresentadas em sala de aula. Para os gregos antigos, a imortalidade traçava uma fronteira entre os deuses e os homens. Os deuses gregos eram imortais. De acordo com o historiador Jean-Pierre Vernant, “é pela voz dos poetas que o mundo dos deuses, em sua distância e sua estranheza, é apresentado aos humanos”. As narrativas de Homero e de Hesíodo sobre os seres divinos funcionaram como modelos de referência para os autores que vieram depois deles. As obras da poesia épica serviram como instrumentos de conservação e comunicação do saber. Diz Vernant: “A atividade literária, que prolonga e modifica, pelo recurso à escrita, uma tradição antiquíssima de poesia oral, ocupa um lugar central na vida social e espiritual da Grécia”. Tanto a poesia épica quanto os contos populares estiveram ligados no início a uma tradição oral. As histórias mais antigas já contadas têm suas origens em sociedades que ainda não conheciam a escrita. E até hoje, o ato de contar histórias, reais ou lendárias, se faz por meio da oralidade e na presença do outro, na maioria das vezes.
As histórias mais famosas de todos os tempos foram (e são ainda) as histórias de heróis. Vernant diz que os heróis “pertencem à espécie dos homens e, como tais, conheceram os sofrimentos e a morte. Mas, por toda uma série de traços, distinguem-se, até na morte, da multidão dos defuntos comuns. Viveram numa época que constitui, para os gregos, o ‘antigo tempo’ já acabado e no qual os homens eram diferentes daquilo que são hoje: maiores, mais fortes, mais belos”. Alguma semelhança com os nossos super-heróis de hoje? Talvez uma: nas nossas histórias de super-heróis, eles são nossos contemporâneos. Mas, tirando isso, são como os heróis da mitologia grega, belos, fortes, mais inteligentes e melhores que os demais mortais em vários aspectos. Continuando sobre esse tema do herói, escreve Vernant: “Mesmo sendo homens, sob vários pontos de vista esses ancestrais aparecem mais próximos dos deuses, menos separados do divino do que a humanidade atual. Nesse tempo passado, os deuses ainda se misturavam de bom grado aos mortais, convidavam-se para a casa destes, comiam às suas mesas em refeições comuns, insinuavam-se até mesmo às suas camas para unir-se a eles e, no cruzamento das duas raças, a perecível e a imortal, gerar belos filhos. Os personagens heroicos cujos nomes sobreviveram e cujo culto era celebrado em seus túmulos apresentam-se muito frequentemente como o fruto desses encontros amorosos entre divindades e humanos dos dois sexos”. Desse modo, os chamados semideuses eram filhos de mortais com deuses e deusas. Alguns homens também podiam ser elevados ao status de herói. Além das figuras lendárias, dos primeiros fundadores de colônias e de personagens que adquiriram um valor simbólico exemplar aos olhos dos habitantes de uma determinada cidade grega, havia também heróis anônimos, como escreve Vernant: “Existem heróis anônimos, designados apenas pelo nome do lugar onde foi estabelecido seu túmulo; é o caso do herói de Maratona”.
A Mulher-Maravilha talvez seja a super-heroína mais inspirada nas narrativas da mitologia grega. No livro de Matthew Manning, a Mulher-Maravilha é descrita assim: “Metade humana e metade deusa, Mulher-Maravilha é filha de Zeus e Hipólita – rainha das Amazonas – e foi treinada desde o seu nascimento para ser uma representante de Themyscira para o mundo humano”. Quer dizer, a super-heroína é um exemplo clássico de mito recriado para a modernidade, é uma atualização do mito das amazonas para a época contemporânea. Não foi por acaso que a Mulher-Maravilha se tornou um símbolo feminista nos dias de hoje. Ela faz questão de lembrar que as mulheres não são o sexo frágil que o discurso dominante afirma. As míticas amazonas são guerreiras habilidosas e corajosas. A semideusa é o maior exemplo de adaptação dos mitos gregos para as narrativas heroicas de nosso tempo.
Mas os super-heróis do presente não permaneceram completamente presos aos paradigmas clássicos. O grupo de heróis mutantes, X-Men, que contou com Chris Claremont por mais de quinze anos como argumentista das histórias desses super-heróis tem um tom bem diferente, inclusive nas definições do que é ser herói e do que é ser vilão. Em uma entrevista publicada em 1995 na revista X-Men no Brasil, o autor fala sobre o personagem Magneto: “Magneto não pode ser definido em termos de herói ou vilão. Ele é um homem com um projeto de vida, uma ideologia. Ele é alguém que, se você quiser uma analogia mais contemporânea, está para Malcolm X [...] assim como Charles Xavier está para Martin Luther King [...]. Ele não confia no mundo. Ele crê que confiar na humanidade é pedir para ser traído por ela. [...] Da perspectiva de alguém que passou sua juventude num campo de extermínio em Auschwitz, ele é extraordinariamente amargo e cético”. Sendo assim, numa sociedade tão complexa como a nossa, a complexidade e a ambiguidade dos personagens são cada vez mais acentuadas.
Considerando que a moda dos filmes de super-heróis tem levado uma massa gigantesca de pessoas aos cinemas no mundo todo, batendo esses filmes todos os recordes de bilheteria, é preciso trazer isso para a sala de aula, e é nesse contexto que as narrativas que vamos ver sobre os mitos gregos e romanos e sobre algumas das maiores personalidades históricas da Grécia e da Roma antigas se inserem.
Referências:
CLAREMONT, Chris. “Entrevista com Chris Claremont”. In: X-MEN n° 77: O fim de uma era, pp.48-52. São Paulo: Editora Abril Jovem, 1995.
MANNING, Matthew K. O Mundo da Mulher-Maravilha. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2017.
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e Religião na Grécia Antiga. Tradução: Joana Angélica D´Avila Melo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006.




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