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segunda-feira, 29 de julho de 2019

Os Três Césares, a Ascensão do Homem Comum e a Resistência Oligárquica

   Desde o início da República no Brasil as oligarquias sempre foram os principais atores políticos. Sempre colocaram as instituições republicanas a seu serviço, tanto nos períodos democráticos quanto nos períodos ditatoriais.
   Com o início da Nova República e mesmo com a promulgação da chamada Constituição Cidadã esse fato não se alterou. Mesmo a eleição do intelectual Fernando Henrique Cardoso foi uma forma de dar uma cara mais moderna às velhas oligarquias no contexto da globalização neoliberal. Mas a eleição de Lula mudou radicalmente essa situação. Lula, um homem do povo, principal liderança popular de um amplo movimento social, foi eleito diante do desgaste das oligarquias no poder, que aplicaram o programa neoliberal com o radicalismo exigido pelo imperialismo em sua ofensiva colonial na América Latina. Lula não rompeu radicalmente com o programa econômico neoliberal, mas se apresentou como a única figura capaz de mediar os conflitos sociais e trazer a estabilidade política e econômica para o país e para a região da América do Sul e Central. Com a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, representantes da sociedade civil oriundos de vários grupos sociais passaram a dialogar para chegar a consensos na formulação de políticas públicas que a presidência da República encaminharia. Lula valorizou e trouxe para dentro do governo tanto representações dos movimentos sociais favoráveis ao seu governo quanto representações do meio empresarial, reformulando o pacto social brasileiro, aprofundando a democracia participativa ao mesmo tempo em que fortalecia a figura do presidente diante do povo, enfraquecendo as instituições tradicionais da República na condução da política, como o Congresso Nacional. Diante dessa hipertrofia do Executivo, que passou a abarcar o conjunto das representações diretas da sociedade civil, passando por cima dos representantes eleitos nos termos da democracia representativa, as oligarquias se entrincheiraram no Judiciário e no Ministério Público, instituições imunes ao controle democrático da soberania popular. Essa hipertrofia do Executivo em nada se assemelha com a centralização política autoritária das ditaduras varguista e militar. Pelo contrário, nunca a participação popular foi tão grande num governo da República, mesmo de forma tutelada pelas direções hegemônicas nos movimentos sindical, estudantil e popular e na esquerda partidária. Mas Lula torna sua vontade política a vontade do Estado, ampliando cada vez mais sua base de apoio entre as camadas populares. Ao término de seu segundo mandato ele era o presidente mais amado pelo povo em toda a história republicana brasileira.
   Dilma deu continuidade ao projeto lulista, mas se distanciou dos setores organizados da sociedade, em especial dos movimentos sociais. Sua estratégia foi aprofundar as políticas públicas que favoreciam principalmente os pobres, as mulheres, os setores urbanos da classe trabalhadora e a classe média urbana. Lula havia favorecido os indígenas, os negros, os pobres e os jovens, principalmente. Tanto Dilma quanto Lula investiram no desenvolvimento do Nordeste, levando vários nordestinos à ascensão social, destino antes quase que exclusivo dos trabalhadores e da classe média do Centro-Sul. Para garantir a aplicação de sua política, Dilma teve que entrar em atrito com o mercado em seu primeiro mandato. Ao cortar o diálogo com os movimentos sociais e com a classe trabalhadora organizada, Dilma teve que aprofundar a repressão. O governo federal e os governos estaduais aliados do governo Dilma passaram a reprimir de forma mais dura e até sistemática, como foi o caso do governo Cabral no Rio de Janeiro, categorias profissionais que representaram no passado a base política e social do PT. Nesse momento, começa a se gestar o Estado Policial, combinando uma política de repressão e consenso, em que a balança começava a pesar mais para o lado da coerção. O resultado dessa falta de diálogo e de construção de consensos com os setores organizados da sociedade fez com que mesmo com resultados econômicos e sociais até mais favoráveis que o governo Lula no primeiro mandato de Dilma, ela perdesse base de apoio, o que levou à inevitável crise política após sua reeleição. O golpe parlamentar chefiado por Temer, Cunha e Moro nada mais foi que uma restauração oligárquica contra o modelo de governo cesarista progressivo que se estabeleceu com o lulismo. Mas a guinada bonapartista do governo Dilma já havia feito um estrago irreversível: o chefe do Executivo passou a ter à sua disposição um aparato repressivo como nunca antes na recente democracia, especialmente com a lei antiterrorismo e com o uso da Força Nacional e das Forças Armadas contra mobilizações populares. Temer não hesita em lançar mão desses expedientes. Além disso, de nada adiantou a resistência oligárquica. Os governos Lula e Dilma se aliaram às oligarquias política e economicamente, mas quebraram o seu protagonismo político e a legitimidade de sua representação política perante as massas. Com isso, a figura do grande líder encontrou seu equivalente na extrema direita em 2018: Bolsonaro.
   Se Lula representava a ascensão do homem comum que lutava coletivamente por um futuro melhor, Bolsonaro representava o homem comum atomizado que encontra no César um fator de unificação e um porta-voz de seus desejos e vontade. Se Lula representava os homens e mulheres comuns da classe trabalhadora organizada e Dilma os homens e mulheres comuns da classe trabalhadora desorganizada, Bolsonaro surge como representante dos homens e mulheres comuns da classe média, que passou a nutrir um profundo ressentimento diante da ascensão social daqueles que desde o tempo colonial estavam destinados a viver abaixo dos elementos da classe média branca. A ascensão dos negros e pobres, mesmo que tímida, levou a que a classe média branca projetasse todo o seu ressentimento e seu ódio naqueles que criaram as políticas sociais responsáveis por essa mudança social. Foi assim que a principal figura Anti-PT chegou ao poder pelos braços do povo. Bolsonaro é o terceiro César, o César reacionário, o líder da revolução fascista contra os governos de Frente Popular. Sua atitude frente às instituições republicanas dominadas pelas oligarquias é ainda mais agressiva, numa interpretação errônea do que representou a ditadura militar. Os homens dos porões da ditadura que depois se aliaram ao setor do crime organizado que se originou dos grupos de extermínio jamais compreendeu o que foi a ditadura militar realmente. Os generais nunca quebraram o poder oligárquico. O conservadorismo das Forças Armadas não seria capaz de consentir com isso. O Congresso e o Judiciário seguiram funcionando normalmente, mesmo que de forma tutelada. A centralização do poder nas mãos dos generais representou um afastamento do povo do processo político, não das oligarquias. Bolsonaro, ao contrário, se apóia em setores populares conservadores e reacionários contra a esquerda e os movimentos sociais, mas também contra as velhas oligarquias corruptas. A grande mídia, porta-voz das oligarquias, ajudou a impulsionar o golpe parlamentar conservador e depois a contrarrevolução fascista com o golpe eleitoral e agora se vê ameaçada pelos métodos de banditismo do grupo mafioso que chegou ao poder. Bolsonaro, o menor dos Césares, é chefe de um setor do lumpesinato com sólidas ligações com o aparato repressivo de Estado. Do impeachment às eleições fraudadas, a democracia e a Constituição foram sendo esvaziadas de seu conteúdo e se tornaram ocas, meramente formais. Agora a classe média deseja passar por cima das instituições, coroando seu líder, o líder fascista, como o único detentor de todo o poder, fazendo do poder pessoal do líder a própria vontade do Estado, sem mediações  e negociações, numa interpretação radical do legado da ditadura, a interpretação dos homens dos porões da ditadura, não daqueles que elaboravam as políticas, mas daqueles que prendiam, torturavam e matavam os opositores políticos e demais alvos do regime militar.
   O longo cesarismo no poder da República enfraqueceu as bases do poder oligárquico. Não faz o menor sentido fazer o tempo voltar e defender o cadáver insepulto do pacto social construído com a redemocratização. A democracia representativa de base oligárquica que emergiu a partir de 1988 está morta. A única esperança para a maioria dos brasileiros é aprofundar a estrada aberta pelo cesarismo: colocar o poder efetivamente nas mãos do povo, sem necessidade de um líder carismático para guiá-lo, realizando a revolução democrática que erguerá a democracia participativa com o fortalecimento dos mecanismos de democracia direta. As oligarquias cederam protagonismo aos Césares e os Césares devem ceder lugar à plebe, como única saída possível para o impasse da nossa sociedade, que dança agora no abismo que separa a civilização da barbárie, uma sociedade que viu o seu tecido social se romper; a ruptura do tecido social da sociedade brasileira só pode ter dois desfechos: ou a guerra civil ou a revolução democrática. No mundo inteiro, a conversão da luta política em luta militar ao contrário de resolver os impasses históricos e sociais como no passado só fez aprofundá-los. Se o Brasil não quiser se tornar uma Síria, com uma guerra civil que no final será uma luta entre dois grandes aparatos burocráticos e o povo ficando na condição de vítima de uma pura luta por poder, é preciso unir as forças populares na tarefa de construir o processo de derrubada do governo fascista que pretende erguer uma ditadura pior do que todas as que já tivemos antes ou mergulhar o país numa guerra civil interminável. Nada virá da anacrônica resistência oligárquica. Grande Mídia, Parlamento, Judiciário, tudo isso virou pó na insurreição popular que foram as Jornadas de Junho de 2013, com todas as suas contradições, com a disputa das ruas entre a esquerda e a extrema direita, ficando a velha direita liberal e conservadora paralisada diante da explosão da luta de classes. Agora, somente com a mobilização nas ruas e nas redes sociais, com as denúncias aos organismos internacionais e à imprensa internacional e com a unidade da esquerda nas eleições municipais de 2020 será possível superar os planos sombrios dos fascistas. Na Europa foi a esquerda que deteve a ascensão da extrema direita nas eleições espanholas e nas eleições europeias e não um centro liberal moribundo. A agonia da nossa democracia também é a agonia do poder oligárquico. Deixemos os mortos com os mortos. E se agonia quer dizer luta, então é preciso lutar até o fim contra a morte. Não somente a morte da nossa democracia, mas o próprio adoecimento da sociedade, cada vez mais envenenada com ódio em suas mentes e agrotóxicos em sua comida. É preciso tirar todo o veneno. Nada vai curar só com o tempo. Essa estratégia de deixar o tempo agir foi o que nos levou à situação em que estamos, justamente por não ter havido um ajuste de contas do país com o seu passado ao final da ditadura militar. É preciso seguir em frente.

Rafael Rossi

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